Pixies ainda divertem e funcionam em disco

 

 

 

 

Pixies – Doggerel
42′, 12 faixas
(BMG)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Fãs dos Pixies costumam cometer o erro de comparar a produção pós-2014 do grupo com os quatro primeiros álbuns, lançados entre 1987 e 1991. Porém, é um tique totalmente compreensível cometer este equívoco, convenhamos. Trata-se, afinal, do grupo que colocou na vitrine boa parte da estética do rock alternativo americano dos anos 1990, tendo sua importância rivalizada apenas pelo Sonic Youth e, numa escala um pouco menor, pelo REM. E não dá pra aliviar a questão colocando a culpa num eventual êxodo de integrantes originais, visto que 3/4 da formação capital dos Pixies segue firme, a saber, Black Francis (guitarras e vocais), Joey Santiago (guitarra) e David Lovering (bateria). No baixo, com a tarefa de substituir a emblemática Kim Deal, está a argentino-armênia-americana adorável, Paz Lenchantin, ex-Zwan e ex-A Perfect Circle, dona de uma graça própria e com talento suficiente para dar conta do recado, pelo menos no palco. Com estas questões e credenciais, os Pixies lançam “Doggerel”, o seu quarto álbum desde o retorno ao estúdio, em 2014. E ele é bom.

 

 

Como dissemos, o que há em “Doggerel” é um retrato de uma banda de sessentões se divertindo com o rock que sabem fazer. Aqui estão traços básicos da musicalidade que o grupo ergueu ao longo dos primeiros trabalhos, a saber, as passagens de “silêncio-barulho” ininterruptas, o ótimo diálogo entre bateria e baixo, os vocais femininos contrastando com a ladainha abrasiva de Black Francis, as guitarras seguras e barulhentas de Santiago e as narrativas surreais/suburbanas de Francis, um doidão acadêmico com admiração por country music, espaholices e arte moderna. Este caldo de cultura ainda está presente na banda, felizmente, porém, a maneira como ele se manifesta e se materializa em canções, obviamente, mudou com o tempo. Não dá pra exigir que o quarteto aja em 2022 como fazia em 1988, certo? São trinta e tantos anos de diferença.

 

 

Este dilema é o grande tabuleiro de xadrez da banda. Na verdade, dá pra dizer que este álbum e o anterior, “Beneath The Eyrie”, de 2019, são os trabalhos em que os Pixies estão mais à vontade com seu retorno sonoro, especialmente porque pararam de tentar recuperar climas e nuances de décadas atrás e voltaram a ser divertir com o que têm hoje. E o que há é um monte de senso de humor, versões mais velhuscas das tais narrativas loucas em forma de letra e uma saudável abertura a elementos estranhos ao que existia antes, a saber, o folk, que está em algumas faixas de “Doggerel”, aqui e ali. Também há a inovação de Santiago ser responsável por algumas letras, o que abre possibilidades até então inéditas.

 

 

A produção de Tom Dalgety, que pilota estúdios para os Pixies desde 2016, é segura e extrai o que de melhor a banda pode mostrar. Há um quarteto de ótimas canções presentes aqui: O single “There’s A Moon On” é um rockão cheio de barulho e daquele dinamismo bateria-baixo que a gente gosta tanto, com Francis cantando anasalado e raivoso em meio a um refrão alternativo e radiofônico. Tem a sensacional “Nomatterday”, que abre o disco, uma típica herdeira da tradição sonora pixiana, com as guitarras que Santiago faz parecerem prestes a dar um bote em que não está esperando. Enquanto isso não acontece, Francis e Paz dialogam sobre mágoas e amor não correspondido ao longo de tempos. “Pagan Man”, uma das faixas coescritas por Santiago, parece uma canção do REM, cheia de nuances folk-rock que soam muito bem-vindas no resultado final. E o rock latino e desértico de “Who’s More Sorry Now?”, que também tem tinturas folk mas envereda por outros caminhos.

 

 

A cerca de uma semana da banda aportar no país para alguns shows, “Doggerel” é um representante bem digno do que os Pixies são hoje: veteranos alternativos fiéis ao que sempre fizeram, sem abrir mão da diversão própria e do público. Tá de bom tamanho.

 

Ouça primeiro: “Who’s More Sorry Now?”, “Nomatterday”, “Pagan Man”, “There’s A Moon On”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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