Cowboy Junkies lançam álbum inédito de 1989

 

 

 

Cowboy Junkies – Sharon
44′, 9 faixas
(Sony)

 

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Eu adoro discos com história. O processo de gravação de um álbum simplificou-se de tal forma que situações como as vividas pelos canadenses do Cowboy Junkies para gravar “Sharon”, tornaram-se raridade e prisioneiras de um tempo que já passou. De fato, no caso deste registro, datado da primavera de 1989, várias adversidades se abateram sobre o grupo, que desfrutava de uma recém-adquirida fama no meio alternativo, advinda do seu álbum anterior, “The Trinity Sessions”, registrado um ano antes. O grupo, formado pelos irmãos Margo, Peter e Michael Timmins, com o Alan Anton fechando a escalação, chegaria a engavetar “Sharon”, gravando um outro disco no lugar, “The Caution Horses”, que só sairia em 1990. Mas, o que aconteceu com as sessões de gravação deste trabalho quase esquecido e que os sujeitos chamam de sua “criança perdida”?

 

Michael Timmins conta que os Junkies queriam repetir o processo de gravação do disco anterior, que fora registrado numa igreja em Toronto, com um microfone captando toda a ambiência e possibilitando uma impressão de “ao vivo”, num lugar em que havia uma acústica privilegiada. Para isso a produção da banda saiu caçando novos lugares que atendessem a essa condição, o que levou o grupo ao Sharon Temple, cuja construção remontava ao ano de 1832. Era um templo dos quakers – uma facção religiosa protestante -, todo de madeira, com a tal acústica privilegiada que tanto era necessária. Pois bem, o grupo mudou-se para o lugar e, por três dias no mês de abril de 1989, registrou as nove faixas que deveriam integrar “Sharon”. Mas não foi fácil.

 

A administração do prédio não permitiu o uso de aquecedores, uma vez que a construção era toda de madeira e tinha valor histórico tombado pelo governo canadense. Tal fato, junto a problemas com a ambiência, geraram o tal frio extremo e uma sonoridade que impedia os músicos de se ouvirem direito, o que é claramente percebido ao longo das faixas do disco, na qual a voz de Margo soa muitas vezes soterrada pelos instrumentos que, além disso, parecem tocar alto demais em vários momentos. Michael lembra que o grupo estava em turnê por vários meses, tocando com uma formação de sete músicos, o que, certamente, contribuiu para um ataque maior dos instrumentos e uma aura de banda tocando ao vivo. Ainda assim, o grupo gostou dos resultados, enviando o disco para a gravadora, que o recusou.

 

O que se ouve em “Sharon” é uma banda em franco amadurecimento. O hit anterior do grupo, uma versão sensacional para “Sweet Jane”, do Velvet Underground, credenciou os Junkies para uma audiência alternativa, além da que gostava de country e blues. Uma vez dentro deste nicho, a banda estava imprimindo mais força nas levadas de guitarra e temperando tudo com belas intervenções de acordeon e bandolim. O repertório estava se consolidando, tanto que, das nove faixas de “Sharon”, oito seriam reaproveitadas para “The Caution Horses”. Destaques absolutos ficam por conta da impressionante versão para “Powderfinger”, de Neil Young, para a releitura melancólica de “Dead Flowers”, dos Rolling Stones e para composições próprias como “Mariner’s Song”, “Escape Is So Simple” e a linda, maravilhosa “Sun Comes Up, It’s Tuesday Morning”.

 

“Sharon” surge em versão digital e em LP por enquanto. A ideia é vendê-lo em CD no início do ano que vem e, certamente, irá atrair os muitos fãs do grupo, uma vez que capta o Cowboy Junkies sonhando com o futuro, executando planos e, como fez ao longo de toda a sua carreira – que vem até hoje – gravando belas canções e versões. Uma lindeza.

 

Ouça primeiro: “Dead Flowers”, “Powderfinger”, “Mariner’s Song”, “Sun Comes Up, It’s Tuesday Morning”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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