Licorice Pizza é um arraso

 

 

Paul Thomas Anderson é um diretor fora do comum. Americano, nascido em Los Angeles em 1970, ele é o cara que, com 27 anos de idade, escreveu e dirigiu “Boogie Nights”. Só isso já deveria – e dá – a ele um crédito quase irrevogável. Não bastasse este feito, o homem também tem obras como “Sangue Negro” e “Trama Fantasma” em seu currículo, entre outros longas – como o hypadíssimo “Magnolia”, que nunca me pegou. Pois bem, PTA segue produtivo e único, ainda que tenha se dedicado mais recentemente a produções musicais, especialmente com o Haim, trio americano formado pelas irmãs Alana, Danielle e Este Haim, das quais ele é amigo e camarada. E foi dessa relação com as meninas que veio uma das grandes sacadas desta delícia fílmica que é “Licorice Pizza”: Alana Haim. Seria injusto dizer que a graça do longa reside apenas na atuação da moça, mas suas peculiaridades e espontaneidade certamente dão à trama um tom de verdade e humanidade únicos. Além dela, Cooper Hoffmann, filho de Phillip Seymour Hoffmann, ator com quem Paul Thomas colaborou várias vezes, está presente no elenco de um filme pela primeira vez em sua vida. E este par carismático e sensacional torna “Licorice Pizza” irresistível.

 

O longa se passa no início dos anos 1970 e tem inspiração assumida nas lembranças de um PTA iniciando a adolescência, naquela fase da vida em que a gente descobre o mundo, que, em troca, nos diz “oi, pode vir”. Sim, nem sempre é tão fácil este diálogo, mas em “Licorice” tudo é colorido, legal, engraçado e espontâneo. Gary (Hoffmann) é um jovem de 15 anos que trabalha como ator em comerciais e pequenos espetáculos, além de ter um senso empreendedor bem raro para sua idade. No dia em que ele está na fila para tirar a foto do anuário do colégio, conhece Alana (Haim), que trabalha para a empresa de fotografias e está visivelmente irritada com sua função e falta de perspectiva na vida. Ela tem dez anos a mais que ele, mas tal fato não o impede de se encantar de forma irreversível pela menina. Ela desdenha a princípio, mas, aos poucos, vai vendo que a presença de Gary e seus amigos em sua vida, ainda que estranha e meio bizarra, preenche vazios e lhe dá várias oportunidades de viver momentos legais e interessantes. Gary, por sua vez, faz de tudo para que Alana lhe dê crédito e o considere como alguém mais capaz do que um jovem de quinze anos comum.

 

Seria fácil dizer que “Licorice Pizza” é uma história de amor, mas, muito mais que isso, é uma narrativa de vários amores. Pela cidade de Los Angeles – onde PTA nasceu -, pela adolescência em si, pelo fascínio, pelas lembranças e pelo sentimento de se achar capaz de quase tudo. E, claro, por tudo isso personificado numa presença do sexo oposto, exatamente como queríamos que fosse. A Alana que PTA cria é perfeita para Gary, compensando o abismo de dez anos a mais com vulnerabilidade e doçura, que são equiparados pela precocidade e determinação dele. É o que Renato Russo falava sobre “um completar o outro que nem feijão com arroz”.

 

Em meio a todas as pequenas histórias costuradas pela amizade que nasce entre o casal, PTA vai mostrando uma belíssima produção de resgate histórico, com carros, roupas, músicas – a trilha é sensacional – e fatos verídicos daquele tempo, como a escassez de combustível, por exemplo. Ao longo da narrativa, surgem personagens verídicos e falsos, que dão um tempero irresistível à história. Por exemplo, Sean Penn e Tom Waits aparecem numa sequência hilária, vivendo um ator veterano e um produtor, que se encontram num bar, no qual Penn tem diálogos hilariantes com Alana, num dos vários momentos engraçados do filme. Em outro momento – igualmente sensacional e explosivo – Gary, Alana e sua turma têm que instalar um colchão d’água na casa de Jon Peters – o chamado “cabelereiro das estrelas”, que viveu um romance de sete anos com Barbra Streisand. Bradley Cooper encarna Peter de forma sensacional e proporciona outro diálogo irresistível. No fim das contas, não é possível dizer o que é melhor no filme: se a presença de Alana Haim – não só ela, mas suas irmãs, pai e mãe estão no longa com os nomes originais preservados -, se a espontaneidade de Cooper Hoffmann, se o roteiro perfeito, se as recriações de figurino e paisagens, tudo parece muito próximo da perfeição.

 

“Licorice Pizza” poderia ser entendido como um “Era Uma Vez Em Hollywood” pessoal, com referências e cuidados históricos, porém, com um cuidado e uma delicadeza que jamais seriam vistos num longa de Tarantino. Paul Thomas é um cara diferente, capaz de achar cinema até quando tropeça na rua. Seu filme é uma bela declaração de amor ao amor, um momento suspenso no ar, uma bolha de sabão flutuando pelo céu, sem estourar. É uma delícia e, desde já, meu preferido para ganhar vários Oscars, mesmo sabendo que isso não será tarefa simples. Veja ontem.

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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