Paul Simon diante do inevitável

 

 

 

Paul Simon – Seven Psalms
33′, 1 faixa
(Sony)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Há alguns dias a gente noticiou que Paul Simon lançaria este novo trabalho, “Seven Psalms”. No material distribuído à imprensa, ele disse que as origens e mesmo a motivação para compor e gravar vinham de um sonho que ele tivera na noite de 15 de janeiro de 2019. O fato do registro da data já entrega a importância que o evento teve para Simon, que também mencionou que não estava escrevendo ou tinha qualquer intenção de escrever algum material àquela época. Pois bem, o disco foi lançado hoje, dia 19 de maio, e, a história do sonho é quase derretida por conta do teor que Simon impôs a estas canções. Meditações sobre a passagem do tempo, a proximidade da morte, o tempo de permanência no mundo e o consequente testemunho de tanta coisa boa e ruim. A relevância pessoal dessas criações parece apontar para um período de intensa sondagem pessoal – o que os americanos e ingleses chamam de “soul searching” – com vistas a entender o que se viveu e o que restou. O fato é que o resultado se traduz numa comovente peça única de canções, em que Paul Simon abre o coração para seu ouvinte.

 

Se olharmos para a carreira de Simon, teremos duas certezas: 1- ele é um gigante da canção e da cultura americana do pós-guerra, talvez no mesmo nível de Bob Dylan; ; 2- ele talvez tenha antevisto que seu tempo por aqui já está no fim. Parece óbvio constatar isso, uma vez que o homem tem 81 anos de idade, mas, hoje em dia, ter uma idade avançada não significa, necessariamente, proximidade da morte, pelo menos não em termos, digamos, matemáticos. O que gente como Simon – e David Bowie e Leonard Cohen – tem é uma aguçada percepção do fluir do tempo e de seus modos. Bowie e Cohen, contemporâneos artísticos de Simon, usaram a morte como parte da relevância de suas duas obras finais, “Blackstar” e “You Want It Darker”, respectivamente. Não quero agourar a vida de Paul, mas, a julgar pelo teor das canções do novo trabalho, ele está em contato com mistérios insondáveis da existência e, como disse Jon Pareles, crítico do New York Times, “quando pessoas como ele percebem a finitude eventual do tempo, procuram escrever música que ultrapasse o próprio tempo”. Talvez seja isso.

 

Paul Simon disse que “Seven Psalms” não é um álbum, mas um ciclo de canções. Por isso, elas foram gravadas como uma só obra, de 33 minutos de duração. É possível notar, ao longo do álbum, que os temas se modificam, mas também se repetem, como se Simon tivesse pego o violão e decidido nos contar o que sente. A rigidez estética do álbum também é algo interessante, especialmente para um artista que adora experimentar texturas e acrescentar influências culturais diversas em seu trabalho. Em “Seven Psalms”, temos apenas Simon e seu violão, com participações discretíssimas de sua esposa, Edie Brickell e do coral inglês VOCES8. O vocal do homem também está cansado, sendo possível perceber que a pujança de outros tempos está irremediavelmente perdida. Tal fato, ao contrário de ser motivo de tristeza, dá às canções uma profundidade inquestionável. Sendo assim, temos arranjos que oscilam entre as visões pessoais de Simon sobre o blues e o folk, formas bem adequadas para revestir o que ele se dispôs a dizer. O uso do referencial bíblico – os salmos da bíblia – servem para mostrar que o artista também esteve interessado pela religião, algo que perpassa sua obra de modo muito sutil e – felizmente – não-dogmático.

 

 

A canção que inicia o ciclo – “The Lord” – e que reaparece ao longo dos 33 minutos vindouros, dá a pista sobre a conexão entre o divino e o destino. Simon começa dizendo que “está interessado na ‘grande migração'”, o que, provavelmente, significa dizer o caminho percorrido em direção à morte. Ele também diz, entre outras coisas, que “O Senhor” é, tanto “o rosto na atmosfera” como o vírus da covid-19 ou a onda que se levanta no mar e destrói tudo. O aspecto ambivalente da divindade máxima é um bom meio para entender como pensa a mente de Simon sobre o assunto. Além de “The Lord”, as outras peças – “Love Is Like A Braid”, “My Professional Opinion”, “Your Forgiveness”, “Trail Of Volcanoes”, “The Sacred Harp” e “Wait” – vão entabulando reflexões sobre arrependimento, perdão, solidão e atestam, em bloco, que permanecer vivo é testemunhar todo tipo de situação, seja no nível pessoal, seja no âmbito coletivo.

 

 

“Seven Psalms” é um evento que merece ser entendido como tal. Não é um álbum para ouvir toda hora, não tem hits, não tem nada que não seja um ícone da música mundial abrindo o coração e confessando seus pensamentos a quem possa ouvir. É como um livro de memórias, algo bem profundo e sério. E generoso.

 

Ouça primeiro: o disco todo

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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