Graham Nash: positivo e operante

 

 

 

 

Graham Nash – Now
38′, 13 faixas
(BMG)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Somos pessoas privilegiadas por termos gente como Graham Nash gravando e lançando um disco de canções inéditas em pleno 2023. Aos 81 anos, com uma vida de êxitos impressionantes à frente dos Hollies e do Crosby, Stills & Nash (and Young), ele já poderia estar acomodado há tempos, descansando, curtindo os netos e tal. Mas que nada, Nash está atento, vivo, atuante, amando, compondo e se indignando com os rumos que seu país tomou recentemente, sob trump. Apoiador de Bernie Sanders e com uma carreira marcada por posturas progressistas dentro e fora do terreno musical, o homem segue como há 60 anos, firme e forte, sem falar na qualidade de sua impressionante voz, praticamente não afetada pelo transcorrer cruel dos anos.

 

 

Interessante fazer um paralelo entre este ótimo “Now” e o arrepiante “Seven Psalms”, o meditativo álbum que Paul Simon, mesma idade que Nash, lançou no mesmo dia. Enquanto Simon faz um emocionante inventário da vida tendo a proximidade da morte como referência, Nash chuta o balde em “Now”, abraçando a existência, regozijando-se pelo que passou e, mesmo que o presente e o futuro não sejam auspiciosos, eles também são alvo de amor e carinho vital por parte do veterano cantor e compositor inglês. São dois lados da mesma moeda, dividida por dois gigantes da música universal e a impressão diametralmente oposta que os álbuns oferecem quando confrontados e comparados é admirável. E mesmo que Nash não soe condescendente com o passado – pelo contrário, as treze canções de “Now” escrutinam o passar do tempo com a sobriedade que idade permite – elas mostram um homem desejoso por falar sobre o que passou e contar como fará daqui pra frente.

 

 

O disco reflete a ausência de David Crosby, falecido em janeiro deste ano, com quem Nash havia brigado e, depois de algum tempo, se reconciliado. Ele contou em entrevista recente que falava todos os dias com Crosby via Internet e, no dia da morte do companheiro, entrou para esperar seu contato, que nunca veio. “Now”, no entanto, não tem luto. Nash prefere falar das perdas e ganhos da vida de forma mais, digamos, poética e existencial. Em duas canções, “Buddy’s Back” e “I Watched It All Come Down”, ele aborda a vida com a música e a música com sua vida, contando com a participação do ex-companheiro de Hollies, Alan Clarke nos vocais da primeira. A segunda é mais sentida, na qual Nash escrutina as mudanças da música, da indústria do disco e as consequências sentidas entre artistas, público e todos os envolvidos. E, ao mesmo tempo, analisa a importância de seu testemunho, privilegiado, sobre tudo isso.

 

 

Nash não tem qualquer problema em abrir fogo cerrado sobre os adeptos de trump e sua filosofia “make america great again”. O seu medo maior é a perda do controle sobre os fatos e o que se chama de “verdade”, obtida a partir da interpretação lógica e fiel desses eventos. Sob trump e sua turma, ele vê este processo em risco, via fake news e distorções de todos os tipos. Em outras duas canções, “Golden Idols” e “Stars & Stripes”, ele parte para cima dessa gente, sem pudores. Mas, além dessa olhada para o passado e para seus inimigos ideológicos, Nash tem tempo para olhar para dentro de sua própria vida e dar vivas pelo que tem, tanto que, o primeiro verso da primeira canção do álbum, “Right Now”, é “eu achava que nunca amaria de novo/eu pensei que estava por conta própria/achei que estava chegando ao fim/e só de pensar nisso, fiquei arrepiado até os ossos”.

 

 

Nash é compositor e cantor privilegiado. Este seu novo trabalho, apenas o nono solo numa carreira que ultrapassa os 60 anos, é um atestado de vida, um cartão postal para um amigo, um “olá” destemido e bem resolvido para tudo o que nos atrasa e amedronta nessa existência. Chega a ser terapêutico. Ouça.

 

 

Ouça primeiro: todo o álbum

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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