Banda Tereza – dançando com lágrimas nos olhos

 

 

Banda Tereza – “Animes, Kylie Jenner, Glocks e Remédios”

Gênero: Alternativo

Duração: 27 min.
Faixas: 12
Produção: Kassin, Mateus Santos
Gravadora: Lab 344

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Ouvir o novo álbum da niteroiense Banda Tereza, conterrânea da Célula Pop, me lembrou a canção de 1984 do Ultravox, “Dancing With Tears In My Eyes”. Não sei se os rapazes aprovariam a associação ao tecnopop oitentista dos ingleses, mas a ideia de fazer um disco tristemente alegre ou alegremente triste é o que norteia “Animes, Kylie Jenner, Glocks e Remédios”, que acaba de chegar às plataformas de streaming. Produzido por Kassin, o álbum é sucinto – 27 minutos em 12 faixas – e evoca sonoridades leves, arejadas e inspiradas em variantes do pop japonês esclarecido da virada da década de 1980/90. Os estilos evocados na terra do sol nascente atendem pelo nome de “City Pop” e “Shibuya-Kei” e são diferentes, sendo o primeiro mais convencional e inspirado no soft rock americano do início dos anos 1980, enquanto o segundo é mais experimental, independente e voltado para revisionismos que vão até os anos 1960. Não importa a precisão dos termos, o som que a Tereza consegue aqui é límpido e emoldura letras que escondem muita melancolia e desencanto sob trocadilhos e títulos esclarecidinhos.

 

Esta alquimia de sonoridades e letras tristes é o grande charme do álbum. Mas a tristeza que existe aqui é aquela que a gente tenta disfarçar a todo custo. E tome trocadilhos, piadas, posturas supostamente articuladas, conversas vazias sobre séries, filmes, discos…tudo aquilo que parece nos conferir algum trânsito em grupos e pessoas que nos interessam. E que, no fim das contas, da noite, da vida, nos deixam no mais absoluto vazio e com certeza igualmente absoluta de que estamos sozinhos e pouco há para ser feito. Aliás, em alguns momentos, as canções passam a impressão de que nunca ficamos totalmente acompanhados. E que isso é bom e ruim ao mesmo tempo. A partir dessa noção, surgem temas como suicídio, bebeira, desencanto, saudade, nostalgia e a certeza de que o nosso futuro não saiu como imaginávamos. O grande mal da mudança de parâmetro da própria noção de tempo ainda por viver é algo que a banda visita intuitivamente com muita sinceridade.

 

A sonoridade do álbum é adorável. Kassin e os integrantes – (Mateus Sanches – que também produz o disco -, Vinícius Louzada e João Volpi), conseguem resultados maravilhosos em todas as canções. São teclados, linhas de baixo, timbres de bateria, intervenções sutis de guitarras e violões, tudo a favor da melodia e do enriquecimento de detalhes. Fones de ouvido são altamente recomendáveis para a percepção completa do espectro sonoro. Algumas canções são realmente legais. “Friday”, por exemplo, tem uma pegada neodisco que lembra tanto o pop francês retrofuturista atual como alguma coisa que poderia ter sobrado do Lulu Santos dos anos 1990. “Glocks & Remédios pt.1”, disfarça sua letra de melancolia suicida de amor perdido com um arranjo exuberante de releitura bossa nova via Japão. Tudo funciona direito. Assim também acontece com a faixa de abertura, “The Girl Fro Tokyo-3”, que tem uma ótima mistura de indie dançante atual com modelos mais formais de pop setentista, com direito a flautas e outros mimos no arranjo. “Glocks & Remédios pt.2” evoca até ecos de drum’n’beat em suas cascatas de ritmos e teclados.

 

As letras são destaque absoluto. “Ohayou Violeta” tem versos do calibre: “você desafia o sol quando irradia ultravioleta/A vida fica tão rosa, o seu bom dia evapora a tristeza”. O instrumental é eletroacústico, com violões, samplers e programações de beats e vocais e meio a um monte de detalhes muito legais. “Ei Mãe” é um achado de confirmação da tristeza naturalizada, em que temos uma conversa de filho com pai e mãe por telefone – ou outro meio de comunicação – em que a conclusão vem na frase: “ei, mãe, ei pai, eu não tô feliz desde que cresci”. Como contra-argumentar? Em “Falsa Impressão” há a casualidade dilacerante de quem tenta evitar o fim do amor a todo custo: “eu durmo em cima das minhas mãos/pra elas dormirem/pra não ter que sentir/assuas mãos partirem”. É o olhar sobre as pequenas e doloridas sensações, amplificado com lupas poderosas. E tem o encerramento com “Manhã”, em que a letra fala de prostração e ressaca diante da inevitável chegada do novo dia, tudo em menos de um minuto.

 

“Animes, Kylie Jenner, Glocks e Remédios” é um retrato fiel de medos secretos de quem está experimentando a vida em meio às mudanças diárias. É inventário curto, discreto e sem tempo para chorar por fora, mas rico e intenso em seu espírito, que, sem ter mais o que fazer, chora tentando sorrir. Este disco é uma porrada.

 

 

Ouça primeiro: “Glocks & Remédios pt.1”, “Ei Mãe”, “Friday”, “Falsa Impressão”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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