Paris chama: há algo de novo no reino do pop

 

 

A autenticidade trazida pela consciência melódica de um pop radiofônico pode parecer algum tipo de delírio saudosista. O som requentado da indústria parece ter saturado o requinte de alguns dos grandes nomes do pop. No entanto, a correnteza do underground, por vezes, consegue trazer às margens algum tipo de inovação. De fato, há algo de novo no reino do pop.

Em um cenário onde o rock é visto como um gênero subterrâneo em virtude de sua popularidade nichada, o pop pode fazer do mainstream um ente de satisfação para os amantes do gênero. Esse é um erro comum que é bastante nocivo. Existe muito esmero radiofônico fora das trends de TikTok e das playlists dos streamings.

 

Apesar desses artistas não estarem no radar de muita gente, alguns deles somam milhares e até milhões de ouvintes mensais nas plataformas digitais. Esse fenômeno tem a ver com a segmentação da indústria e, por isso, existe pop em todo canto. Bandas, artistas solos e coletivos carregam a vanguarda e a retaguarda do gênero.

 

A banda parisiense Oracle Sisters é um desses casos. De tão contemporâneo, o grupo tem apenas um disco, mas acumula a experiência de seu fundador, Lewis Lazar. Na verdade, a banda é uma espécie de reencontro entre ele e seu amigo de infância, Christopher Willatt.

Lewis é um desses artistas multifuncionais. Sua atuação na música divide espaço com outros dotes importantes, como a pintura. Além disso, sua incursão na música não é de hoje. O músico já teve alguns projetos solo e foi um dos membros do supergrupo plurinacional chamado Summer Moon. Por essa banda, Lewis, ao lado de Nikolai Fraiture (The Strokes) e Erika Spring (Au Revoir Simone), forjou um pop açucarado e digno de nota por parte dos fãs dessas bandas.

 

Depois de viver uma espécie de sonho americano com notas de Nova Iorque, Lewis volta a Paris e funda Oracle Sisters. Essa banda é um acontecimento e, como tal, precisa ser encarada com a devida atenção. Conheci o grupo através de um canal de YouTube chamado OurVinyl. O pequeno trecho apresentado em minha timeline fez eu pensar que o algoritmo tinha hackeado minhas audições diárias nos streamings.

 

O pop inteligente de Oracle Sisters é notável. Sua postura melódica faz lembrar os grandes momentos de Teenage Fanclub e Weezer no auge. Apesar disso, toda energia e guitarras sujas não estão presentes aqui. Do ponto de vista dos timbres, há um cuidado com a sonoridade de grupos setentistas, com forte destaque para Elton John, Billy Joel e, claro, Fleetwood Mac.

 

Existem outros artistas contemporâneos bastante competentes quando o assunto é criação de camadas pop. Esse é o caso de Father John Misty. Mesmo que as propostas sejam diferentes, ecos de um pop setentista com esmero em timbragens e produção estão presentes nos dois casos. Outros membros dessa lista de pop de bolha são o The Lemon Twigs, Papooz, L’Imperatrice, Marxist Love Disco Ensemble e uma série de outros nomes pouco mencionados.

 

Oracle Sisters consegue fazer volume a uma produção musical voltada para a contemporaneidade, aprender com todos os erros e acertos do pop e evoluir elementos essenciais dos anos 70, contextualizando-os para os dias de hoje. Essa não é uma tarefa tão simples. Afinal, o pop só é popular quando a indústria o chancela.

 

Em Hydranism (2023), a banda passeia por timbres de teclados que poderiam ter sido gravados por Christine McVie, do Fleetwood Mac, com guitarras inteligentes e vocais em falsete com aberturas harmônicas de alta elegância. Sua força está na capacidade de sintetizar toda carga clássica com as dinâmicas contemporâneas do pop.

 

O disco abre com a faixa Tramp Like You. As harmonias vocais típicas do indie folk dão espaço para um arranjo focado em piano, baixo e bateria. A divisão da música passa por um compromisso com a forma melódica. Assim, todos os instrumentos são colocados à disposição da harmonia vocal suave dos integrantes.

 

Outro destaque importante fica para a faixa Hail Mary, a segunda do disco. Ela carrega tudo que uma música pop precisa. A construção do arranjo para chegar a um refrão arrebatador é a cereja do bolo desse disco. Além disso, ecos de George Harrison podem ser ouvidos no solo da música. É como se o duende de jardim da capa do All Things Must Pass tivesse ganhado vida e aprendido a tocar guitarra.

 

O álbum segue com o mesmo padrão de qualidade. O brilho das faixas reverberam o quanto é preciso manter os ouvidos atentos para o que há de novo na música. Cigale Song evoca um desses padrões melódicos. Se Brian Wilson tivesse nascido nos anos 90 e curtido o power pop da época, certamente, ele gravaria esta canção.

 

Como a disco music se fez presente nas indicações supracitadas de L’Imperatrice e Marxists Love Disco Ensemble, a música Paris III consegue trazer todo esse clima. Com vocais semelhantes à onda antifolk do início da década de 2000, mas com uma bateria nervosa emulando uma espécie de Harold Melvin and the Blue Notes europeu, o arranjo cumpre o seu papel.

 

Falar a respeito do pop contemporâneo é um deleite. Buscar por novas bandas e artistas nesse cenário pode demandar anos ou uma vida inteira. O tema é inesgotável, mas é importante começar por algum lugar. O caminho traçado pela Oracle Sisters pode ajudar a mapear os passos de quem está em busca desse tipo de sonoridade.

 

Há algo de novo no reino do pop, porém, é preciso cavar um pouco para encontrar essas joias.

 

 

Alexandre Gallego

Alexandre Gallego é Publicitário de formação e pós-graduando em Filosofia Política, Ética e Contemporaneidade. Paulista por acidente, mas brasileiro por amor. Ama as notas dissonantes nos acordes de um saudoso João e a filosofia de asfalto de um tal Dylan. Um jovem nessa década que busca em outras as respostas para o agora.

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