Olivia Rodrigo é legal

 

Olivia Rodrigo – SOUR

Gênero: Pop, rock

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Duração: 34:46min.
Faixas: 11
Produção: Dan Nigro
Gravadora: Geffen

 

 

Um bilhão e duzentos milhões de execuções só no Spotify. Este é o total de vezes que as 11 canções de “SOUR”, estreia da americana Olivia Rodrigo, foram ouvidas. Convenhamos, é um número respeitável, certo? Também sabemos que, em pleno 2021, tal fato é praticamente o único determinante para a relevância de um artista, seja novato, seja veterano. Olivia, 17 anos, já tem mais de 51 milhões de ouvintes mensais, mais que a população da Argentina. E ressurge o velho teorema de Tostines: Olivia tem tantos ouvintes porque é talentosa ou é talentosa porque tem este número de ouvintes? O fato é que a menina é, de fato, uma grata surpresa nesta seara de cantoras adolescentes para o consumo em larga escala. Ela é atriz, compôs as onze faixas do álbum ao lado do produtor, Dan Nigro, e tem uma imagem de menina normal, com belezas e imperfeições. Ou seja, Olivia tem cara de gente. Seu disco é uma belezinha dentro do que se propõe: ser um diário de uma menina de 17 anos, com o máximo de realidade possível/desejável.

 

O grande barato de “SOUR” é que ele não é um álbum de música eletrônica banalizada, hip-hopesca fake. Pelo contrário, Olivia oferece várias opções ao ouvinte. Tem balada, claro. Tem rockinho estilizado, mas que até lembra algo que poderia ser uma demotape do Elastica. Tem emulações de Avril Lavigne em início de carreira. Tem letra com palavrão porque ninguém é de ferro. E tem umas canções que parecem demais com algumas coisas que poderiam ser Taylor Swift em momento inspirado. E há um monte de pequenas surpresas que podem, com o passar do tempo, significar o surgimento de uma artista interessante. Se for apenas um golpe de marketing, Olivia é um daqueles muito bem dados. Basta, no entanto, ver as apresentações dela no Saturday Night Live há duas semanas pra ver que ela canta ao vivo, tem uma bandinha de rock a acompanhando e tudo soa real na medida do possível.

 

Como se não bastasse tudo isso, Olivia se saiu com, pelo menos, cinco canções muito boas, muito acima da média, muito bem pensadas. E isso, senhoras, senhores, moças, rapazes, demais configurações, é a chave para que o teorema de Tostines penda a favor do talento do artista. Sem boa música, nenhum disco vai além do primeiro single. Falando nisso, você deve ser um dos mais de oitocentos milhões de pessoas que ouviram ‘Driver’s Licence”, a primeira canção que surgiu puxando o álbum, no início deste ano. O que já era possível ver/ouvir? Que Olivia tem boa voz e sabe usá-la. Que há alguém com boas ideias, uma vez que o arranjo da canção oscilava entre a baladinha swifteriana e … algo que lembra até Florence + The Machine. E a letra, que fala de uma carteira de motorista desejada por muito tempo por um casal que se desfez recentemente é o gatilho para uma narrativa de lembranças e ajustes de contas entre quem errou e quem não errou. Tudo de verdade, tudo plausível e, ora bolas, a canção é muito bonitinha.

 

Mas Olivia também tem outros truques. “Brutal”, a faixa que abre “SOUR”, lembra, sim, algo do Elastica e deriva para um roquinho de guitarras convincente o bastante para sustentar versos como “I’m so sick, I’m seventeen, where’s my fuckin’ teenage dream?” e mais um rosário de incertezas e incompatibilidades com mo que a sociedade, amigos, pais, pessoas, namorados/as esperam de você. Ela conclui: “It’s brutal outta here”. E quem há de negar? Mais adiante está “Traitor”, baladinha clássica, lentinha, chorosa e com arranjo que tem teclados, órgãos e evolui para explorar a boa voz da moça. A letra é a constatação de que uma traição não causou tristeza ou arrependimento em quem traiu, certamente um dos momentos em que a gente perde o chão nessa vida. “Good 4 U” é outro acerto no alvo, com uma levada mais funk e bem pensada, com ótimo arranjo que vai evoluindo para um roquinho totalmente legal, mostrando as agruras de uma menina que parece boazinha mas que, na verdade, não hesita em ser quem ela quer ser e fazer o que lhe der na telha. Boa. E “Happier” é outra lindeza pianística – Fiona Apple é uma das paixões declaradas de Olivia – com um letra sobre a necessidade de parecer felizinha quando se está por baixo.

 

“SOUR” é um dos bons discos adolescentes surgidos recentemente. Se comparar Olivia com Billie Eilish, por exemplo, ela perde em excentricidade mercadológica e em arrojo sonoro, mas sua proposta musical é mais real, mais tangível. Quantas Billies é possível encontrar em sua escola? Certamente não tantas quanto as Olivias. E, sei lá, não sendo jovem há bastante tempo, isso me parece um valioso trunfo para o disco e para a vindoura carreira musical de Olivia Rodrigo.

 

Ouça primeiro: “Brutal”, “Driver’s Licence”, “Good 4 U”, “Happier”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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