A esquerda festiva e dançante de Cola Boyy

 

Cola Boyy – Prosthetic Boombox

Gênero: Pop, disco

Duração: 36:41min.
Faixas: 10
Produção: The Avalanches, Nicolas Godin, Myd, nit, Bon Voyage Organisation, Infinit bisous
Gravadora: Record Makers

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

A música nunca para de nos surpreender. Veja o caso de Matthew Urango, conhecido como Cola Boyy. Nascido em Oxnard, Califórnia, Matthew tem deficiência física, problemas de formação corporal de nascença, que limitaram alguns aspectos de sua vida, mas não o impediram, por exemplo, de fazer música. Como Cola Boyy, ele assumiu duas posturas: uma visão de mundo à esquerda, usando sua própria existência como uma forma de protesto e encorajamento a outros portadores de limitações físicas e, para dar conta disso, se valeu da música para exteriorizar essa visão. E sua música é brilhante, engajada, luminosa e extremamente vinculada ao pop-disco dançante da virada dos anos 1970/80. É o que se chama hoje de “neo-disco” ou algo no gênero, mas isso pouco importa. A imprensa estrangeira diz que a música de Cola Boyy é revolucionária porque “a revolução precisa de uma trilha sonora”. Em “Prosthetic Boombox” – um título tão sensacional que até envergonha a gente – ele percorre caminhos maravilhosos para a música pop e coloca no bolso todo mundo que está produzindo música em diferentes sentidos.

 

O grande trunfo do disco é, justamente, o reconhecimento que a obra de Cola tem recebido de pesos-pesados do ramo. Ele soltou um belo EP em 2019 chamado “Penny Girl”, que o apresentou a gente como The Avalanches e Nicolas Godin, do duo francês Air. Eles e outros vieram a bordo deste primeiro álbum do sujeito e produziram faixas, adicionando a elas um pouco de sua própria visão de futuro do passado. O resultado povoou o trabalho de Cola Boyy com novas cores e amplificou o seu talento em ritmo exponencial. Ainda que as tinturas sonoras sejam muito alegres, bem feitas e bem pensadas, o trabalho faz importantes remissões a aspectos da vida peculiar do artista, sua origem e como a música o levou para outro patamar. Ele disse em entrevista: “minha própria existência é política, eu não poderia existir se não fosse desse jeito”. Coisa rara no mundo mercantilizado de hoje, né?

 

De fato, há pouco ou nenhum elemento disponível para fazer uma trilha dançante da revolução e Cola Boyy se oferece com prontidão para o trabalho. Seu álbum é redondíssimo, não há faixa ruim e seus arranjos mesclam esse neo-disco com tinturas de bedroom pop e lo-fi, mas devidamente difusas umas nas outras. A faixa de abertura, também o primeiro single, “Don’t Forget Your Neighborhood” é uma poderosa mensagem sobre o lugar de onde você veio e está, mostrando como isso te define como pessoa, como artista. A colaboração com The Avalanches nessa faixa é não menos que maravilhosa. As batidas, as pinceladas de sintetizadores e a melodia da canção conspiram para a quase certeza de que já a ouvimos antes, mas não. É mais um flerte com esse inconsciente coletivo, pop, dançante e perfeito que nos cerca. É irresistível, saiba. O disco segue com pepitas de diferentes cores. “Mailbox”, logo após, tem batida de tecnofunk do início dos anos 1980, lembrando Zapp, e tem a participação de John Carroll Kirby, que já colaborou com Frank Ocean e outros grandões.

 

A presença de Nicolas Godin surge na reflexiva “Song For The Mister”, que pisa um pouco no freio da dança, mas que jamais deixa de lado o potencial de pop perfeito que marca Cola Boyy. “Roses”, com presença de Myd, que já pilotou estúdios para Kanye West, por exemplo. O clima resultante é de puro Daft Punk modelo 2013, ou seja, irresistível e vintage. Quando surge sem participações, como em “For The Last Time”, Cola Boyy tem a manha de pilotar um piano convencional e erguer batidas que são puro pop setentista de FM. Assim também é com “Mink”, sua outra faixa totalmente solo, sendo que esta vai mais para o lado do pop funk oitentista, algo que poderia ser, vejamos, do New Edition. Mantendo o nível de perfeição do álbum, “You Cant Do It” e “Go The Mile” alternam diferentes aspectos da majestade pop presente: a primeira é exuberante enquanto a segunda é contemplativa e mais soturna. E “Kid Born In Space”, o fecho do disco, é outra faixa mais calma, cheia de camadas de teclados e percussão.

 

Com um resultado que mistura pop dançante, pop dourado e um pouco da peculiaridade de um Daniel Johnston, Cola Boyy é uma criatura fascinante e muito musical. Não é todo dia que surge um personagem assim, especialmente um com tantos contornos de talento e realidade. Ouça e mergulhe.

 

Ouça primeiro: “Don’t Forget Your Neighborhood”, “Mink”, “Song For The Mister”, “Roses”, “For The Last Time”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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