YĪN YĪN: o ataque dos incríveis holandeses afro-nipônicos

 

 

 

 

YĪN YĪN – Mount Matsu
44′, 11 faixas
(Glitterbeat)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Vocês conhecem a cidade de Maastricht? Fica no sul da Holanda, perto da fronteira com a Bélgica e com a Alemanha, segundo a Wikipedia. Pois é, eu também não estou familiarizado com o lugar, mas precisei dessa cola online para saber um pouco mais sobre a origem do YĪN YĪN, simpaticíssima formação pop exuberante, responsável por um dos álbuns mais legais deste início de ano: “Mount Matsu”. A ideia aqui é bem simples, ainda que seja, digamos, bastante incomum. Fazer um disco como se fosse uma banda japonesa hipotética do meio dos anos 1970, buscando a fusão de ambiências tradicionais nipônicas com idiomas modernos daquele tempo, como disco, funk e … afrobeat. E tudo isso com uma postura de metaverso, ou seja, de um tempo que nunca chegou a existir de fato. Como dissemos aí em cima, parece complexo e amalucado além do limite, mas é uma delícia sonora de altíssima categoria. É fluido, sem momentos desperdiçados, uma verdadeira belezura. Senão vejamos.

 

O cérebro criativo do grupo chama-se Yves Lennertz e seu objetivo é fazer o YIN YIN soar como uma formação dance-funk psicodélica, mas o resultado de “Mount Matsu” aponta para mais do que isso. A ambiência criada ao longo das onze faixas concede à audição um jeitão de trilha sonora, de conceito além da música. Não seria totalmente novidadeiro, mas o resultado é tão bacana e bem feito que pensamos numa série de televisão inexistente com personagens inexistentes, que são definidos por estas criações, quase totalmente instrumentais e totalmente executadas por mãos humanas. A ideia da época, os anos 1970, é essencial para que a experiência de “Mount Matsu” tenha mais foco e sentido. Lennertz e seus amigos conseguem variar a inspiração dos arranjos e abordagens sonoras sem perder de vista a ideia de concentrar os fatos neste Japão idealizado. E isso amarra todos os quase 45 minutos do álbum.

 

De cara o ouvinte já se depara com “The Year Of The Rabbit”, que tem elementos funk em câmera lenta, que se desenvolvem a partir de um riff totalmente devedor da ideia do senso comum sobre o que poderia ser “música oriental”. O arranjo se encarrega de dar detalhes – guitarras, teclados, levada de bateria – suficientes para convencer qualquer um de que estamos diante de algo “verídico”. A partir daí, como se fosse um cartão de visitas apresentado, iniciamos a jornada com a sensacional “Takahashi Timing”, totalmente turbinada por um riff disco funk reconhecível a todos, ótima linha de baixo e detalhes harmônicos lindões. Nesta altura, qualquer pessoa normal já está imersa no mar de referências que fazem a conexão Ocidente-Oriente, de forma absolutamente natural. E isso só amplifica com a terceira faixa, “Pia Dance”, que investe mais no pop tradicional, com um lindo riff de teclado que dá vida a uma levada aerodinâmica disco-funk irretocável.

 

Em “The Perseverance Of Sono” o riff é de guitarra, certamente influenciado pela surf music, mas devidamente inserido num arranjo com theremin e uma cozinha endiabrada que intima o ouvinte à pista de dança. “The Year Of The Tiger”, a possível contraparte de “The Year Of The Rabbit”, começa climática, como se fosse um duelo de espadas ao sol poente, mas vai avançando no terreno da psicodelia transnacional, com dedilhados, percussões e ambiências, finalmente desaguando numa levada direta e reta de bateria com groove jazzístico em câmera lenta. Daí para a mais gloriosa canção do álbum, é um pulo. “Tokyo Disko” surge absoluta, um afrobeat nipônico ocidental, contrabandeado de forma escusa, turbinado por uma linha de baixo irresistível e guitarras clandestinas, que vão construindo um clima verossímil, ainda que o mais importante aqui seja a dança e o deleite total com o resultado. O riff de guitarra é funky ao extremo, existindo com cordas e tecladinhos. Tudo funciona muito bem.

 

“Mount Matsu” é um caleidoscópio sonoro irresistível. É impossível ouvi-lo e passar para outro artista, outra obra. A vontade é de não sair mais deste metaverso sonoro que o YIN YIN criou de um jeito tão leve e espontâneo. Puro pop perfeito contemporâneo para quem não tem disposição para permanecer estático no tempo e no espaço.

 

 

Ouça primeiro: “Tokyo Disko”, “The Year Of The Rabbit”, “Pia Dance”, “Takahashi Timing”, “The Year Of The Tiger”, “The Perseverance Of Sono”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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