Other Lives – For Their Love

 

 

Gênero: Rock alternativo

Duração: 36 min.
Faixas: 10
Produção: Jesse Tabish
Gravadora: ATO

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

O grupo americano Other Lives trilha um caminho pouco visitado entre o mapa rodoviário da música pop do século passado. A América idealizada pelas paisagens imensas, de campos, pradarias e desertos, desbravada por carros que levavam gente de uma costa a outra do país, integrando e levando a modernidade de um lado a outro. Mais ou menos o tipo de som que Glen Campbell formatou a partir das composições de Jimmy Webb, o mito do cowboy urbano, vestido com roupa de strass que, em vez de desbravar o Oeste bravio, empunhava uma bandeira stars’n’stripes num rodeio noturno qualquer. A contradição campo x cidade, a incorporação da falência do sonho americano em forma de música, tudo isso junto. A forma musical deste verbete no dicionário americano se traduziu em grandes arranjos orquestrais, andamentos lentos, cinematográficos, influências de trilhas sonoras de western spaghetti e filmes de James Bond…É nesse terreno que o Other Lives caminha com seu quarto álbum, “For Their Love”. E se sai muito bem.

 

Produzido pelo vocalista e multi-tarefas Jesse Tabish, o álbum traz dez canções pungentes, cujo tema é a chegada dos nossos tempos de caos, sem levar em conta a covid-19. São pequenos tratados sobre a violência policial, a crítica política à insensibilidade de trumps e congêneres, à prevalência do dinheiro sobre todo o resto, enfim, uma bem feita crítica à atualidade. Essas letras afiadas foram devidamente encaixadas nas molduras sonoras descritas no parágrafo anterior, obtendo resultados de grande beleza, em que o espaço aberto suscitado pelos arranjos convive com a claustrofobia social que experimentamos no cotidiano. Cada um por si, todos contra todos, competição total. A covid, tema que surgiu depois da composição das canções, só comprova o quanto essas críticas têm fundamento.

 

A lembrança que as faixas de “For Their Love” despertam vai desde o rock- folk camerístico de Fleet Foxes ao rock alternativo de gente como American Music Club, banda perdida nos anos 1990, que cantava músicas em que o vocalista se dizia aos pés de Johnny Mathis. Estas estruturas sombrias e amplas são as pedras de toque dos arranjos do álbum e funcionam em todas as circunstâncias. Da totalidade de faixas, quatro saltam aos ouvidos pela beleza absoluta. “Sound Of Violence” é soturna – como tudo por aqui – mas vai se abrindo em tons mais claros à medida que a melodia vai avançando sobre belíssimas intervenções de cordas. O refrão também ajuda nesse caminho rumo à luz do sol, algo que surge lá pro fim da canção. “Lost Days” tem a estrutura mais básica de uma faixa rock’n’roll, talvez próxima do que um REM mais acinzentado faria lá pelos anos 1990. Castanholas, vocais de apoio e cordas dão os toques de estranheza e fascínio e o resultado é espantoso.

 

“All Eyes – For Their Love” é lenta, se espreguiça sob o sol de inverno e se abre para o mundo, novamente com arranjos de sopros e cordas, numa engenharia instrumental que nos faz crer ser a faixa desprovida de qualquer vocal. A introdução demora 2:20 minutos e emula pequenos trechos dejávu de gravações de Glen Campbell, revelando um pequeno épico. O último destaque é a engajada “Cops”, que mescla a solenidade do arranjo com versos como “You forgot your wallet, so the cops come rushing in/Was a matter of a simple task, too much to ask?”. O contraste é bem-vindo e funciona.

 

“For Their Love” é mais um desses discos que parecem destinados a um público seleto e, consequentemente, pequeno. Suas origens e inspirações são de um pop que já dominou o planeta e ainda guarda muitos elementos de magnetismo. Ouça e reconheça vários momentos belos.

 

Ouça primeiro: “All Eyes – For Their Love”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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