Os Quatro Paralamas

 

 

Antes de começar a falar sobre o documentário “Os Quatro Paralamas”, disponível na Netflix, é bom que eu diga: eles são a minha banda nacional preferida de todos os tempos. Considero-a mais talentosa, mais coesa, mais dedicada e arejada formação que já tivemos por aqui. Além da percepção artística – digamos assim – ainda guardo com os Paralamas uma intensa memória afetiva. Foi a banda que me levou ao rock nacional, lá em 1983, na garupa de “Vital e Sua Moto” e com a qual me identifiquei definitivamente a partir da letra de “Óculos”. De fato, naquele 1984, as meninas do Leblon não olhavam para mim e nem pareciam muito dispostas a fazê-lo em algum momento. Mais tarde, já na segunda faculdade, entendi que os Paralamas foram o farol solitário de esclarecimento musical na onda do chamado BRock, a banda que entendeu ser brasileira, ser terceiro-mundista, ser herdeira de uma tradição diaspórica e negra, algo manifesto de maneira contundente em seu terceiro e brilhante álbum, “Selvagem?”. Até hoje procuro meus pedaços na discografia dos Paralamas. E é lá que os acho.

 

Por essas razões, é claro que eu não perco nenhum artefato sobre a banda e com “Os Quatro Paralamas” não foi diferente. Realizado pelo velho colaborador fílmico do grupo, Roberto Berliner, o documentário é um inventário visual e sonoro da história do grupo com um viés generoso que inclui a parceria de Bi Ribeiro, João Barone e Herbert Vianna com José Fortes, seu empresário desde o início, lá em 1983. A afinidade com Berliner também vem deste começo de carreira, uma vez que o cineasta já dava seus primeiros passos com filmadoras VHS naquele tempo, documentando shows, ensaios e realizando pequenas entrevistas muito bacanas, cheias daquel frescor amador e espontâneo, que servem hoje como cápsulas de memória do grupo. A inclusão de José Fortes se dá muito naturalmente, afinal de contas, estas imagens iniciais da banda já mostram o sujeito lá no meio dos músicos, nos bastidores, camarins, vibrando e se emocionando como se, de fato, subisse ao palco com o trio original.

 

O mérito maior do documentário é dar uma dimensão totalmente humana aos envolvidos. São amigos, parceiros, sócios, companheiros, afins, típicas situações que acontecem entre pessoas de verdade. Sabemos das fraquezas, da vulnerabilidades, tudo está na tela, com absoluta naturalidade. A montagem e a edição mantém a ordem cronológica e é possível ver a banda amadurecendo em público, as fisionomias se tornando mais sérias e carrancudas, a adolescência ficando para trás no retrovisor da vida. Há uma enorme gentileza ao inserir a esposa de Herbert, Lucy, na narrativa, mas sua presença é elemento-chave para a transição temporal que envolve o acidente que a vitimou em 2001 e transformou a vida de Herbert para sempre.

 

A partir daí, o longa muda novamente, as imagens de estúdio vêm para este “presente alongado” pós acidente, mostrando a banda madura, sólida, optando pela continuidade e entendendo como precisa lidar com as novas limitações. E, a partir da superação delas, o vínculo fica ainda mais forte e concreto, ou, como diz um meditativo Bi Ribeiro ao volante: “São amizades, relacionamentos e compreensão artística em reconstrução”. Faz sentido. Aliás, os depoimentos informais dos Paralamas são as grandes joias do longa. A conversa que eles têm sobre ter filhos ou não é uma preciosidade enorme. Os três, sentados no chão de um quarto, divagam sobre o futuro, com Barone e Herbert argumentando a favor da paternidade enquanto um reticente Bi discorda e diz que não será pai. Dá vontade de entrar no monitor e sair lá na cena, sentar com os caras no chão do quarto e entrar na conversa.

 

“Os Quatro Paralamas” é um triunfo deste cinema documental espontâneo. Tem espaço para vários personagens da história da banda, amigos, colaboradores e exibe detalhes maravilhosos. Deve ter sido fácil e afetuoso realizar um trabalho tão espontâneo e bem feito. Parabéns aos envolvidos. No fim das contas, o documentário tem o poder de nos fazer sentir como se fôssemos Paralamas também. E talvez essa seja a intenção primordial. Milhões de Paralamas mundo afora.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Os Quatro Paralamas

  • 1 de maio de 2021 em 18:30
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    Documentário emocional e emocionante. Obrigado pelo comentário.

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  • 1 de maio de 2021 em 16:48
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    Documentário muito bonito sobre a banda.Quando tocam as músicas do disco “Um Longo Caminho” sempre fico arrepiado!

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