Roberto Carlos, 80 anos e 23 canções

 

 

Um dos maiores desafios auto-impostos neste site é escolher as músicas mais queridas da carreira de Roberto Carlos. O Rei faz hoje, 19 de abril de 2021, 80 anos de vida. Sua trajetória musical se confunde com as últimas décadas da história midiática do país. Sua música foi apropriada como trilha sonora da vida de milhões de brasileiros, muitos deles pessoas que conhecemos nas idas e vindas da existência. Pais, mães, avôs, avós, primos, primas, Roberto e suas melodias querem dizer família diante da TV, diante do rádio e diante da velha vitrola, tocando seus álbuns anuais.

 

Quem cresceu nos anos 1970/80 sabe bem disso.

 

Por essas outras, resolvemos compilar as principais canções do Rei e não usamos outro critério de orientação que não fosse a memória afetiva. Claro, alguns clássicos absolutos foram inseridos a partir disso, mas outros ficaram de fora, simplesmente porque não continham a proximidade necessária com a trajetória pessoal desse que vos escreve. Aliás, qualquer lista com as obras de RC que não seja guiada pela memória afetiva será, desde sempre, imperfeita e incompleta. A generosidade da coisa está em, justamente, abrir espaço para que todos elejam suas mais queridas, suas mais mais. Por isso, também flexionamos o número padrão de canções escolhidas, partindo de 13 para 23, justo porque não deu para exercer este poder de síntese. Espero que vocês gostem, curtam e indiquem suas listas de pessoais favoritas.

 

Vem.

 

 

23 – Amor Perfeito (1986) – A canção mais recente desta lista é também a última colocada. Ela serve como uma espécie de epitáfio desta fase romântica do Rei e quase adentra um período em que a verve de Roberto já estava iniciando uma decadência criativa. O arranjo e a produção dessa gravação são muito bonitos.

 

22 – As Baleias (1981) – Uma canção belíssima, criativa, emocional e emocionante, sobre como seria o futuro sem as baleias, usando a agonia das pescarias com baleeiros e o sadismo humano como indícios da brutalidade que nos assombra diariamente. Roberto tem ótimas canções neste mesmo terreno, mas “As Baleias” é de arrancar lágrimas de estátua.

 

21 – Eu Quero Apenas (1974) – Quase uma canção infantil, entrou no imaginário coletivo com “o milhão de amigos” que o Rei deseja ter. O neoliberalismo converteu o desejo de amizade em conta matemática “quero ter um milhão de amigos, se cada um contribuir com dez reais, serão dez milhões”. Uma lindeza ingênua e arejada.

 

20 – Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos (1972) – Quando Caetano Veloso revelou que esta canção fora composta em sua homenagem, ela ganhou sua dimensão definitiva: a saudação para um amigo que volta de longe, no caso, do exílio, e que refaz suas conexões com sua terra natal. Tacada de mestre do Rei e de Erasmo Carlos.

 

19 – Amigo (1977) – Falando em Erasmo, não dá pra deixar esta pérola de fora, cenário ideal para que os “dois Carlos” se enalteçam e tal. Independente desta surrada artimanha, “Amigo” é belíssima e rompeu fronteiras na América Latina, na qual se tornou até canção de estádio. Sem fronteiras.

 

18 – Outra Vez (1977) – Uma das mais dilacerantes letras já gravadas por Roberto, composta, neste caso, por Isolda. É uma daquelas baladas épicas, clássicas, lacrimogêneas e que vão fazendo sentido à medida que a vida vai avançando sobre nós. Um clássico absoluto e intocável.

 

17 – Caminhoneiro (1984) – Esta aqui é 100% memória afetiva. O Rei foi acusado de plágio mas isso não embaçou o sucesso radiofônico desta homenagem aos caminhoneiros do país. Algo como se fosse um episódio da serie global “Carga Pesada” musicado. O amor do sujeito pela mulher que está a lhe esperar, as frases simples e o arranjo são praticamente perfeitos.

 

16 – Se Você Pensa (1968) – Clássico do ocaso da Jovem Guarda, marca uma aproximação estética do Rei com a soul music americana, seja nos metais, seja no jeito de cantar. A letra é de autoafirmação masculina, mostrando força e nariz empinado diante da desilusão amorosa. O arranjo também é matador.

 

15 – Fé (1978) – Canção católica do Rei, com um riff de metais irresistível e andamento quase funk-gospel, com destaque para o arranjo e para a habilidade dos músicos. Geralmente Roberto erra a mão nas odes religiosas, mas “Fé” escapa gloriosamente da banalidade e vem com elegância e balanço.

 

14 – Do Outro Lado da Cidade (1969) – Uma pequenina gema esquecida num dos melhores álbuns do Rei. Composta por Helena dos Santos, a quem o Rei deu chance no início de sua carreira, a canção lembra um pouco “The Poor Side Of Town”, gravada por Johnny Rivers, mostrando a cidade como um território dividido em pobres e ricos, com a distância como principal elemento de cisão. Canção linda e ingênua.

 

13 – À Janela (1971) – Aqui o Rei nos brindou com um épico existencial. Do alto de seus 30 anos, Roberto já era há muito um adulto. Na letra ele vai ponderando sobre ir embora ou ficar: “quantas vezes eu pensei em sair de casa, mas eu desisti/pois eu sei, lá fora eu não teria o que eu tenho agora aqui”. No fim, ele enaltece pai e mãe, soando como uma contramão do pé na estrada hippie.

 

12 – Muito Romântico (1977) – Uma das composições mais belas de Caetano Veloso gravadas pelo Rei. O baiano faria uma versão bela em seu álbum de 1978, “Muito”, mas a leitura de Roberto é matadora, cheia de balanço funk/pop com metais em brasa e uma de suas melhores interpretações de toda a carreira. Matadora.

 

11 – Quando (1967) – Clássico de “Em Ritmo De Aventura”, uma espécie de passarela para aquela masculinidade meio tosca, meio moderninha, com detalhe para o solo sensacional de órgão a cargo de Lafayette. O clipe, extraído do filme, mostra Roberto cantando “Quando” no terraço do Edifício Copan, em São Paulo. Maravilha.

 

10 – Além do Horizonte (1975) – Belezura de canção idílica e levemente alienada sobre encontrar a vida ideal longe de tudo e todos, somente ao lado da mulher amada. Mesmo que seja alienante, a figura de um paraíso perdido é recorrente na música pop e aqui Roberto a reveste de ares tropicais e muito brasileiros, chegando a arriscar um sambinha com guitarra wah-wah no arranjo. Clássico total.

 

09 – Sento à Beira do Caminho (1980) – Uma das mais belas gravações da carreira de Roberto é, justamente, num álbum de Erasmo Carlos. O Tremendão lançou “Erasmo Carlos Convida” em 1980 e chamou vários parceiros e amigos, reservando para o dueto com Rei um de seus maiores sucessos na carreira. O clipe do Fantástico mostrava os dois às margens de estradas e o trecho “sou um pobre resto de esperança à beira de uma estrada” se tornou figura de linguagem em textos sérios que já escrevi por aí.

 

08 – As Curvas da Estrada de Santos (1969) – Outro clássico existencial/alienante, com Roberto assumindo que enfiava o pé no acelerador do carango por entre as curvas da Estrada de Santos, quando as coisas não iam lá muito bem. Carro e desilusão amorosa/existencial são figuras presentes em várias obras de vários artistas. Aqui Robertão estava imerso nas metaleiras soul e o arranjo captura exatamente esta afinidade. Definitiva.

 

07 – Quero Que Vá Tudo Pro Inferno (1966) – A canção-símbolo da Jovem Guarda e ponto final. Roberto falando “inferno” em uma vida pré-TOC é momento dourado da música brasileira em todos os tempos. De bônus ainda tem a presença iluminada de Lafayette num dos solos mais bonitos que ele já registrou.

 

06 – Detalhes (1972) – Esta canção “separa os homens dos meninos” em termos emocionais. Se você consegue compreender totalmente as situações retratadas em “Detalhes” é porque seu coração já exibe cicatrizes e marcas de batalha travada no vai e vem da vida amorosa e sentimental. É uma espécie de somatória de situações e noção da passagem do tempo aplicadas ao coração. Coisa seríssima.

 

05 – Todos Estão Surdos (1972) – Sem dúvida esta é a melhor das canções de fé que o Rei já registrou, na qual ele mostra um Jesus Hippie, muito próximo da ideia original de bondade e liberdade que sua figura deveria sempre suscitar. O arranjo funk é vital e a performance vocal de Roberto mostra que ele estava no auge da força.

 

04 – As Canções Que Você Fez Pra Mim (1968) – Aqui Roberto vem com algo que poderia ser uma prévia de “Detalhes”, aplicando a noção de tempo transcorrido em razão inversamente proporcional à existência do amor. O arranjo é matador e faz uma citação iluminada a “Nossa Canção”, que o Rei registrara anos antes.

 

03 – Ana (1970) – Esta canção é um pequeno portal portátil de felicidade e amor perfeito. O menor nome de mulher, o amor visto em perspectiva, o reconhecimento da beleza de um amor que deu certo – mas acabou, tudo aqui funciona de forma imaculada. “Toda essa vida errada que eu vivo até agora começou naquele dia quando você foi embora”. De fazer estátua chorar.

 

02 – Na Paz do Seu Sorriso (1979) – Esta é uma espécie de canção que evoco para lembrar do meu velho avô dirigindo sua Brasília branca na serra de Petrópolis em tempo de férias. A lindeza do arranjo à la James Taylor mostra um Roberto menos dramático que o habitual de suas baladas, mas a beleza da letra e o rocambole de lembranças quase fazem desta a minha canção maior do Rei. Por um triz.

 

01 – O Portão (1974) – A narrativa de “O Portão” é a síntese da desilusão pós-hippie, da pessoa que tentou desbundar, tentou ir embora e notou que seu lugar não é naquela balbúrdia toda e sim, de volta ao lar. É uma versão mais adocicada do verso de Gil em “Back In Bahia”: “hoje eu vejo que ter ido foi necessário para voltar”. É um Roberto que abre as portas de casa e é recebido pelo cachorro, uma visão que todos já tiveram ou quiseram ter. Lindo e atemporal.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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