Simonal – O Filme
Nos últimos dez anos assistimos a uma revisão história importante da obra de Wilson Simonal. O cantor carioca foi um dos maiores astros da música brasileira na segunda metade dos anos 1960 e início dos anos 1970, rivalizando com a turma da Jovem Guarda em popularidade, com um fato a se destacar: Simonal era negro e de origem pobre. Tornou-se uma exceção no showbusiness da época e, infelizmente, até hoje é parâmetro de “negro bem sucedido”. Sim, porque, caso você não saiba, o Brasil é um país racista. E continua sendo. E sempre foi. E já passou da hora de deixar de ser.
Estrelado por Fabrício Boliveira e Isis Valverde, “Simonal” é dirigido por Leonardo Domingues, o montador do documentário “Ninguém Sabe O Duro Que Dei”, que mostrou fatos e detalhes sobre a carreira do cantor, seu período de apogeu e seu ostracismo posterior, iniciado a partir do envolvimento com os órgãos de repressão da ditadura civil-militar, quando, indignado com problemas financeiros, culpou seu contador e convocou policiais militares para “dar um corretivo” no sujeito. Por isso Simonal nunca foi perdoado por seus pares da classe artística e foi apontado como dedo-duro, um informante a serviço da repressão, com a missão de delatar cantores, compositores e demais pessoas que fossem contra o regime. O resultado: um dos homens mais famosos do país sumiu da mídia, tornou-se alcoolatra e morreu em 2000, ainda cedo, com 62 anos de idade.
O roteiro do longa não exime Simonal de culpa, pelo contrário. Além de mostrar a atuação do cantor, dá ênfase à raiva que sentiu pelos prejuízos de sua produtora, pelos quais ele responsabilizou o contador Raphael Viviani. Também fica claro que não havia culpa por parte do funcionário, que apenas organizou as finanças da empresa, mostrando que haviam saques em quantidade astronômica, para sustentar o estilo de vida de Simonal, sua esposa, Teresa e seus familiares e amigos. O cantor não acreditou nessa versão e ordenou o “corretivo”. A partir disso, o longa não deixa de mencionar a justificativa para o boicote a Simonal: racismo e a intolerância em ver um negro rico e bem sucedido nos palcos, servindo de exemplo para outros negros. Quem estuda o assunto e o período histórico, sabe que isto acontecia com frequência no Brasil.
Se há um problema em “Simonal”, o filme, ele está na eficiência do roteiro em mostrar a vida do cantor. Temos poucos detalhes de sua relação com os filhos pequenos, Simoninha e Max de Castro, além da ausência completa de informações sobre sua vida antes de 1960. Não vemos sua infância, como aprendeu a cantar ou mesmo como desenvolveu sua famosa técnica do “embromation” no inglês. Sua relação com mãe também fica completamente de fora. Por outro lado, o mesmo roteiro acerta ao mostrar seu envolvimento com Carlos Imperial (vivido por um emagrecido Leandro Hassum) e nas cenas de palco, especialmente a que ele rege o coro da plateia em “Meu Limão, Meu Limoeiro” e deixa o teatro pelos fundos, indo tomar um whisky no bar ao lado, voltando a tempo de terminar a canção. Alás, Leonardo Domingues mostra talento em fazer esta e a sequência de abertura em um único plano, algo que é sempre legal de ver.
A trilha sonora mostra os sucessos procedimentais de Simonal e funciona com a contagiante música do cantor. Boliveira convence na pele do cantor, mostrando malandragem e camaradagem, retratando a simplicidade do personagem e sua formação moral num país em que a injustiça histórica existe como triste regra.
Simonal (1h 45min)
Direção: Leonardo Domingues
Elenco: Fabrício Boliveira, Ísis Valverde, Leandro Hassum
Gênero: Drama, Biografia, Musical
Distribuidora: Downtown Filmes
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.