Os 35 anos de “Psychocandy”

 

 

 

Criada pelos irmãos Jim (vocal e guitarra) e William Reid (vocal e guitarra), The Jesus and Mary Chain é uma banda escocesa que, nas palavras de Jim, surgiu para se diferenciar da “porcaria que tocava no rádio” durante a década de 80. Com o lançamento do single “Upside Down” em 1984 pela independente Creation Records, o grupo chamou a atenção da major Warner Music que, através do selo Blanco Y Negro – que também projetou Bananarama, Everything But The Girl e a carreira solo de Elizabeth Fraser (egressa do Cocteau Twins) –, os contratou para, inicialmente, o lançamento de poucos singles, mas que acabou originando um álbum. Sendo assim, no dia 18 de novembro de 1985, Jesus dava o seu testemunho através do álbum de estreia intitulado “Psychocandy”, obra que iria influenciar uma gama de artistas de som alternativo que surgiriam nos anos seguintes.

 

Produzido pelos próprios irmãos sob a influência de bandas como as bandas experimentais The Velvet Underground – cujo mentor, Lou Reed, lançara 10 anos antes um disco experimental de sonoridade semelhante, o “Metal Machine Music”, que entretanto foi mal compreendido e mal recebido por público e crítica à época –, Einstürzende Neubauten, o conjunto Pop The Shangri-Las e o grupo Protopunk The Stooges. É um disco marcado por um som estridente e abafado por zumbidos, chiados, distorções e reverberação, com a intenção de se distanciar da sonoridade pop predominante da época. É a obra mais visceral do grupo escocês, e apesar de um som mais “macio” que seria adotado nos lançamentos seguintes, foi este álbum que definiu as diretrizes que seriam seguidas nos próximos trabalhos.

 

Nas palavras de Jim, o título “Psychocandy” é “uma maneira de descrever o conteúdo em uma única palavra”. Apesar do álbum ser no geral, como o nome indica, uma fusão de um lado “psycho (psicótico/psicodélico)” com um lado “candy (doce/sereno)”, há momentos em que uma das características se sobressai à outra; portanto, para uma melhor análise, escolhi agrupar as canções nessas duas definições. Na parte “psycho” temos a parte mais frenética e abrasiva do álbum composta por canções como: a agitada “The Living End”; a intensa e levemente sombria “Taste The Floor”; a vibrante e enérgica “In A Hole” – os chiados aqui dão um charme à canção acentuando o caráter angustiante da letra –; e a animada e levemente melancólica “Taste of Cindy” – com uma das melodias mais atraentes do álbum.

 

Também temos as pulsantes “Never Understand” – retratando a típica revolta juvenil, apresenta uma linha de baixo irresistível no início, uma melodia excelente e prossegue em um ritmo animado até finalizar com sons de gritos, urgindo desespero e agonia (percebe-se evidentemente que a canção inspirou o Legião Urbana para a composição de “Dezesseis”). – e “Inside Me” – soturna e levemente animada com uma linha de baixo irresistível. As empolgantes “My Little Underground” – com destaque para a distorção nas guitarras, retrata o sentimento de isolamento perante o mundo – e “You Trip Me Up” – um dos grandes sucessos do grupo, com destaque novamente para o baixo. A contagiante “Something’s Wrong” – um dos grandes destaques do álbum cujo solo inspirado lembra em muito a sonoridade do New Order –; e, por fim, a agressiva “It’s So Hard” – faixa pesada em que as distorções estão mais evidentes, apresenta um baixo pulsante e Jim Reid emulando desespero através de seus gritos.
Na parte “candy” temos canções mais leves e suaves, assim como algumas das mais belas do álbum.

 

Começamos com a faixa de abertura, a inesquecível “Just Like Honey”. Com a introdução de bateria copiada da canção “Be My Baby” do grupo The Ronettes evocando um clima de suspense – em entrevista à Rolling Stone, Jim Reid disse que a cópia do som não foi proposital: “Bem, o estranho é que essa não foi realmente uma decisão consciente. Nunca nos ocorreu até depois de fazermos aquele álbum e as pessoas apontarem. Parecia a batida que servia à música na ocasião, então…” – a canção prossegue num ambiente predominantemente lisérgico e soturno com uma melodia que, assim como o título indica, é doce como o mel. Interpretada em um canto sereno por Jim, a letra transpira romantismo e sensualidade, também sendo apontada por muitos como uma alusão ao consumo de cocaína. Trata-se não só uma das grandes canções como também uma das melhores baladas do grupo.

 

Destoando um pouco do andamento das canções da parte “candy”, “The Hardest Walk” é a mais animada; com um baixo instigante e uma guitarra estridente, apresenta uma melodia cativante. Enquanto que “Cut Dead” é uma balada suave e introspectiva com uma das letras mais depressivas do LP. E finalizando, “Sowing Seeds” apresenta a mesma introdução de bateria copiada de “Be My Baby”. É uma balada cadenciada com ótimos solos de guitarra cuja letra disserta sobre a vontade do eu lírico de proteger a si mesmo em torno de uma sociedade decadente.

 

Faixa extra:

A edição em CD acrescentou a faixa “Some Candy Talking”. Pertencente à parte “candy” do álbum, é uma balada que começa suave e vai “crescendo” e se tornando mais empolgante conforme prossegue. Assim como “Just Like Honey”, aparenta ser mais uma alusão ao consumo de drogas disfarçada sob um romantismo sutil. Ao final da audição, o ouvinte sai com a impressão de ter escutado uma obra forte, diferenciada e contundente Ouvidos mais sensíveis podem sentir desconforto com a sonoridade aqui presente e questionar como seriam as versões das canções sem os efeitos agudos e estridentes. Ouvindo a versão demo de “Just Like Honey” e a versão acústica de “Taste of Cindy” intitulada “Taste of Candy” – que seria lançada na versão estendida de “Darklands” (1987) –, a resposta é que sobram belas e fortes melodias, mas falta o vigor que as distorções e reverberações deram a elas. Portanto, todo o barulho empregado aqui é o que dá o charme às composições.

 

“Psychocandy” deu notoriedade aos irmãos Reid – que tiveram suas rusgas ao longo dos tempos, porém longe do vexame público dos irmãos Gallagher, por exemplo – e ajudou a definir o som alternativo apelidado pelos jornalistas musicais de Shoegazing ou Shoegaze, que começava a ganhar força nos anos 80 e teria seu auge na década seguinte.

 

Trinta e cinco anos após seu lançamento, “Psychocandy” resistiu à passagem do tempo continuando com o mesmo frescor da juventude e tão excitante quanto à época em que surgiu. Seu som influenciou grupos como, para citar os mais notórios, My Blood Valentine, Legião Urbana (que chegaram a regravar “Head On” para o “Acústico MTV”) e Nine Inch Nails (com quem o JAMC já chegou a se apresentar); e também foi a principal fonte de inspiração para a produção do álbum devidamente intitulado “Distortion” do grupo estadunidense The Magnetic Fields. Tanto pelo seu valor musical como cultural, o álbum de estreia do The Jesus and Mary Chain merece ser celebrado constantemente.

OBS: Aos interessados em se aprofundar no som do grupo escocês, a edição estendida apresenta faixas que também merecem atenção. Há flerte com o gótico (chegando bem perto do Bauhaus) em “Suck”, na soturna “Just out of Reach”, em “Boyfriend’s Dead” (faixa agressiva que impressiona pela crueza) e na pesada “Cracked”. Também temos a intensa “Ambition”, as empolgantes “Head” e “Upside Down” e o cover de “Vegetable Man” do Pink Floyd, faixa na qual o JAMC acrescenta peso e distorção à psicodelia do grupo inglês em seus primórdios. Contudo, a maior surpresa se encontra na faixa “Jesus Fuck”, canção marcada pela agressividade em que as influências do Punk se ressaltam e que revela uma faceta mais agressiva e intensa do The Jesus and Mary Chain.

 

Gabriel Martins

Colecionador de CD’s desde os 14 anos, descobri o amor à música com o Tears For Fears e a paixão pela brasilidade com Marcos Valle. Apesar de ser formado em Direito, minha vocação se encontra no jornalismo musical.

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