O novíssimo disco de Huey Lewis And The News
Huey Lewis e o The News sempre foram ótimos em sua proposta: uma banda de pop-rock com belas notas de blues e soul, que construía canções cativantes, autênticas e empolgantes. De alguma maneira, essas canções transmitiam esperança de um jeito irreverente. Nos falavam sobre relacionamentos, trabalho, festas ou sobre até como o mundo pode ser um lugar cruel. De vez em quando podíamos nos deparar com críticas ácidas e irônicas presentes nas letras. E a banda sempre se apresentou com uma postura cool e um senso de humor carismático. Basta querer escavar um pouquinho para encontrar as referências musicais que a banda usava na construção de suas faixas. Huey e seu grupo eram fãs de blues, jazz e soul e, além disso, sempre foram talentosos músicos. O vocalista sempre disse como herdou esse negócio de fazer música que fale, de um jeito universal, sobre as pessoas e para as pessoas. Para todas elas, sem exceção.
“Weather” até poderia ser um trabalho sem lugar nesse novo mundo, afinal, ninguém estava esperando um novo disco de Huey Lewis and The News nessa altura do campeonato, onde a música pop está repaginada e dominada por artistas consagrados. Os tempos mudaram, e a realidade é que atualmente os ouvintes pensam em pop de uma outra maneira. Mas insisto dizer: “Weather” é uma das provas do porquê de Huey Lewis and The News continuar tão legal como era em “Sports” ou “Fore!”. E também um dos motivos da banda ser, ainda, construtora de canções tão encantadoras. Além disso, “Weather” é necessário. Mesmo que a banda já tenha se consagrado por vender mais de 40 milhões de discos em toda a sua carreira e fazer parte do imaginário da cultura pop, o disco traz momentos muito especiais para rechear a história de um dos grupos mais queridos dos anos 80.
Com “Weather”, Huey com Johnny Colla, Bill Gibson, Sean Hopper, John Pierce, Stef Burns, Johnnie Bamont, Marvin McFadden e Rob Sudduth continuam com um som tão vívido como era nos seus tempos áureos. E, veja bem, eu não estou falando aqui de um som antiquado, nem de “mais do mesmo”, e nem de uma obra pastiche àquela da década de 80. Claro que as sete faixas do disco são cheias de energia como eram “Heart and Soul”, “Hip to be Square” ou “I Want a New Drug” – e em alguns momentos nos lembram essas canções, principalmente com as gaitas de Huey e seus vocais em “Her Love Is Killin’ Me” que, incrivelmente, nos dão a impressão que o vocalista ainda está nos seus 30 anos de idade. Mas em “Weather” encontramos uma banda mais madura e mais aventureira, principalmente quando observamos as letras e a incorporação mais proeminente de elementos de funk e R&B.
Isso acontece porque, segundo o próprio Huey, o grupo já entrou em um estado de sintonia total. Trabalhando há quarenta anos juntos, a banda sabe os limites uns dos outros, os pontos fortes e os fracos. E Huey e o The News têm certeza são uma melhor banda do que antigamente.
(O clipe de “Her Love Is Killin’ Me” traz uma sucessão divertida de cortes com figuras como Jimmy Kimmel, Michael Keaton e Brandon Flowers)
Huey também toca em temas sensíveis e canta sobre o envelhecimento através de uma perspectiva positiva, fazendo uma bela homenagem a Willie Nelson na faixa “One of the Boys” que, para Lewis, é uma das melhores canções da história do grupo – sobretudo por ser praticamente uma autobiografia com a letra mais pessoal feita pela banda. Uma das faixas de “Weather”, “I Am There For You”, ganhou um lindo videoclipe homenageando os trabalhadores na linha de frente à pandemia de COVID-19. E é impossível não sentir um quentinho no coração ao assistir.
Para Lewis, a primeira faixa, “While We’re Young”, está na lista das dez melhores canções de sua história. Essa canção ganhou do diretor Scott Sava um sensacional videoclipe simulando um videogame da era 16-bit. Sava disse em entrevista que a inspiração veio de uma lembrança de quando estava na faculdade no final dos anos 80, quando conseguiu o seu primeiro emprego como estágiario na Sega of America, e lá fazia jogos em 16-bits. Quando chegou a pandemia, o diretor e seu filho de 17 anos ficaram presos em casa. Juntos, decidiram criar um filme em videogame para a canção de Huey e o The News.
Percebendo a complexidade que a ideia gerou, Sava procurou William Bruce Robles para cuidar dos backgrounds e Kevin Hanna para o trabalho de animação e direção. Podemos ver no clipe Biff, Doc e Marty em um “Back to the Future” 16-bits, além de Michael Jackson, Cyndi Lauper, Bob Dylan e Tina Turner no famoso “U.S.A. for Africa”. Enquanto isso, observamos a trajetória do personagem de Huey caminhando por sua vida: alcançando novos levels, ganhando recompensas e envelhecendo – tudo isso regado por várias referências às canções da banda (“Level up: Puberty!”, “Record deal!”, “Platinum: You found a new drug!” e no momento que o personagem se casa temos um “Unlocked: The power of love!”).
O clipe termina mostrando com sensibilidade o que sabemos sobre a últimas notícias da saúde de Huey. O cantor foi diagnosticado com Síndrome de Meniére, um distúrbio no ouvido que o deixou praticamente surdo. Por este motivo, não consegue mais ouvir a sua própria voz e, consequentemente, cantar tem sido impossível. As faixas de “Weather” foram gravadas nos últimos dez anos pela banda, que não tinha pressa em lançar o trabalho. O plano inicial consistia em dez faixas, mas como a doença de Huey se agravou e o cantor se viu impossibilitado de ouvir as suas próprias canções, o grupo decidiu lançar as sete faixas já concluídas.
Devido à Síndrome de Meniére, não se sabe se este é o último trabalho de Huey Lewis and The News. O que sabemos é que Huey não quer e nem pensa em desistir. Lewis encara a doença com positividade, humor e resiliência, dizendo categoricamente em entrevistas “I’m not givin’ up”. O final do clipe de “When We’re Young” emociona quando introduz a tão conhecida mensagem dos videogames de “Continue?”, e depois nos deparamos com a imagem de Huey e os dizeres de uma das suas mais famosas canções, “The Heart of Rock and Roll is still beating!”.
“Weather”, enfim, nos dá a sensação de que gostaríamos de continuar ouvindo o Huey Lewis and The News e vê-los promovendo tours e trabalhos. É uma banda especial que merece ser lembrada, respeitada e aplaudida. Afinal, nenhuma banda americana conseguiu ser tão cool quanto Huey e o The News.
O disco traz o completo sentimento de torcida para que Huey mantenha o que disse em “One of the Boys”: “ainda estou me divertido” e “não estou ficando mais jovem, mas estou bem longe de ter acabado”. E, se aproveitarmos ainda mais, podemos levar esses recados para as nossas vidas e, quem sabe, rejuvenescer um pouco a nossa alma. Afinal, mesmo que as marcas do tempo sejam inevitáveis, a música continuará nos dando a sensação de sempre abrir uma nova porta com emoção. Enquanto a música existir, estaremos vivos e jovens por aí.
Maísa Mendes de Carvalho é piauiense com toques paulistas, advogada, criadora e apresentadora do Distorção Podcast, amante das artes humanas e apaixonada por música.
Que matéria sensível. Gostei muito. Emocionante.
Maisa, a sua matéria é simplesmente maravilhosa, parabéns! Huey Lewis And The News é uma das minhas bandas favoritas dos anos 1980, e você a descreveu com muita precisão e sensibilidade. E tomara que o Huey Lewis consiga de alguma forma superar essa terrível doença, nem tanto por poder voltar a fazer shows ou gravar novas músicas bacanas, mas simplesmente para poder ter qualidade de vida, que ele merece e muita. Tudo de bom!