Neil Young fecha 2023 com lindeza acústica

 

 

 

 

Neil Young – Before & After
48′, 13 faixas
(Reprise)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

 

Neil Young, 78 anos, trocentos álbuns, coletâneas, singles, sobras de estúdio, projetos colaborativos, enfim, uma obra que é das maiores e mais expressivas do rock desde sempre, está on fire. Em meio a títulos continuamente lançados em sua Archive Series – que traz registros inéditos, geralmente ao vivo, de sua carreira – Young soltou um disco de inéditas com sua banda, Crazy Horse, no fim de 2021, chamado “Barn”, possivelmente o mais interessante trabalho de sua lavra em quase duas décadas. Em 2022 ele veio com “World Record”, já bem abaixo do anterior e, agora, neste 2023, em meio ao lançamento de “Chrome Dreams”, um de seus álbuns perdidos dos anos 1970, ele solta este “Before & After”. Ou seja, o homem está em um pico de atividade e criatividade que, além destes álbuns, o levou para a estrada, em shows pelos Estados Unidos. É sempre bom ver um ícone como Young em atividade, mesmo que seus trabalhos recentes sejam menos, digamos, importantes e necessários que no passado. Com “Before & After” é assim, ou, melhor dizendo, quase assim.

 

Há dois motivos simples para destacar esta obra dentre tantas que Young vem soltando recentemente. Ela tenta inovar em formato, trazendo treze faixas de suas … sete décadas de atividade, em versões acústicas, seja com voz e violão, seja com piano e violão, encadeadas de modo a trazer a impressão de que o ouvinte está diante de uma única peça sonora, com quarenta e oito minutos. É bacana, mas, ao mesmo tempo, não traz nada de realmente inovador, mesmo que seja temerário descartar esse movimento por parte de alguém como Neil. No mínimo ele reflete uma vontade de modificar as coisas, mudar algo, o que é sempre bom e coloca as coisas em movimento. O outro motivo de atração para este álbum é a escolha pouco ortodoxa de repertório, mostrando que Young tem um padrão muito peculiar ao olhar para suas próprias criações. Ele não tem pudor em misturar sucessos, faixas obscuras, canções sessentistas do Buffalo Springfield e, pasme, uma sobra de estúdio raríssima de seu controverso álbum “Trans”, de 1983, tudo no mesmo pacote.

 

A abordagem acústica uniformiza as canções e o resultado é bastante interessante em alguns casos. Por exemplo, “I’m The Ocean”, originalmente gravada em 1995, com participação do Pearl Jam, no álbum “Mirrorball”, ganha em profundidade e beleza, devidamente vertida para a versão voz-violão, mas, isso não acontece com a eletrizante e eletrizada “Mr.Soul”, dos tempos de “Buffalo Springfield Again”, de 1967. Já com “Mother Earth”, uma canção solene e distorcida, contida no álbum “Ragged Glory”, de 1990, famoso por arrebentar o volume dos amplificadores e distorções, o efeito acústico atual até que não funciona tão mal. Em comum as letras a padrões melódicos de Neil, que podem ser escrutinados no mesmo elemento, mostrando suas sensibilidades e detalhes expostos.

 

Neil resgata algumas belezuras. “A Dream That Can Last”, de “Sleep With Angels”, fica melhor aqui, com a solenidade do piano e a vulnerabilidade vocal do homem, que nunca teve medo de nada. “Comes A Time”, faixa-título do álbum de 1978, talvez o meu preferido dentre toda a sua carreira, é um primor que pouco foi modificado aqui, mas é belo o efeito de ouvir o velho Young cantando sobre sossegar na vida, deixar a doideira de lado, tudo em nome de um amor que valha à pena, especialmente se virmos a importância que sua relação com a atriz Daryl Hannah, iniciada há quase dez anos, trouxe para sua vida. E tem “Birds”, do sacrossanto “After The Gold Rush”, “On The Way Home” (outra do Buffalo Springfield) e “Don’t Forget Love”, do recentíssimo “Barn”. E, claro, tem a maravilhosa “If You Got Love”, cujo original tinha arranjo que lembrava pop songs sessentistas como “Stormy” e “Spooky”, aqui devidamente inserida no contexto de forma doce.

 

Se “Before & After” é um disco meio monotemático, ele guarda detalhes e sutilezas que são muito mais visíveis para os fãs e admiradores de Neil Young há tempo suficiente para reconhecer seus moods e compreendê-los a ponto de apenas celebrar seus álbuns e lançamentos. Se você é um desses, vai encontrar fofura e beleza por aqui.

 

 

Ouça primeiro: “Birds”, “On The Way Home”, “Comes A Time”, “If You Got Love”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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