Viúva Negra – Podia ser bem melhor

 

 

Depois de tanta espera, já está em cartaz – para os audaciosos que topam ir ao cinema na pandemia – “Viúva Negra”. O longa que conta a história de Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) chega com atraso e muita expectativa em torno de sua história, prometendo algumas excentricidades e pequenas instâncias de cinema puro em meio às explosões e mirabolâncias que habitam este tipo de produção. A maior delas é a presença da cineasta australiana que já dirigiu filmes como “Lore” ou “Sommersault”, produções que nada têm a ver com o Universo Marvel ou esta lógica blockbusteriana que o rege. Mas, tudo bem, Cate, ainda que tenha feito um bom trabalho no filme, passa despercebida em meio ao que oferece o roteiro de “Viúva Negra”.

 

Ambientado em 2012, o filme traz eventos que acontecem logo após o segundo filme dos “Vingadores”, que traz a “Guerra Civil”, ou seja, os heróis estão “rachados”, o Capitão América está foragido e tudo está meio estranho. Natasha precisa se esconder e busca refúgio nos cafundós da Noruega, sem imaginar que, em meio a tudo isso, uma nova trama está começando e envolve diretamente um programa secreto russo que visa dominar a mente das pessoas sem que elas percebam. Sim, é isso mesmo, afinal de contas, “Viúva Negra”, mesmo sendo um representante Marvel, tem uma pinta de filme de espionagem moderno, tentando emular ações e dinâmica de produções como os mais recentes “Missão Impossível” ou a Trilogia Bourne. Só que não acontece a boa mistura entre pancadaria e explosão com dramas pessoais. Ainda que a personagem de Natasha ofereça espaço pra isso, o roteiro não aproveita, mesmo com a chance de contar com um elenco muito acima da média, com David Harbour, Rachel Weisz (como os espiões russos que são os “pais” de Natasha) e, especialmente, Florence Pugh, que vive Yelena, sua irmã, de longe a melhor coisa do filme.

 

Aliás, a história das irmãs falsas, vivendo numa família falsa, na verdade, uma célula espiã russa em pleno 1995 não corresponde aos fatos, especialmente porque, naquele tempo, a Rússia ainda estava se entendendo no jogo político mundial, mais lambendo suas feridas que qualquer outra coisa. Além do mais, esta parte da história tem um leve cheiro de “The Americans”, mas sai pela tangente em favor do roteiro maluco. Este mesmo roteiro, porém, é hábil ao juntar essa nova história ao tronco de eventos Marvel, inserindo as ações com coerência no meio dos eventos. O problema é que a Viúva Negra transposta para a telona em seu filme próprio, ainda tem um jeitão de coadjuvante dos Vingadores e fica fácil, por exemplo, pra Yelena se mostrar muito mais interessante que ela. E para seu “pai”, um supersoldado russo decadente, vivido por David Harbour, de “Stranger Things”, que lhe confere a dose exata de brutalidade e simpatia.

 

Um mérito inegável no longa é alinhar uma história que envolve assédio e brutalização de mulheres abandonadas para o uso em tramas políticas e militares sem que elas saibam, numa metáfora razoável para a escravidão feminina e várias outras formas de condutas lamentáveis. Só não dá pra engolir a velha Rússia como sendo a grande responsável por algo assim num mundo capitalista neoliberal. Aliás, a intenção constante de ridicularizar com o passado soviético joga contra o filme, tornando algumas passagens bem infantis, mas, quem sabe, mais apropriada para um público mais jovem e desencanado. Scarlett Johansson é boa atriz, vive bem o papel mas está apenas uma escala acima do piloto automático, ficando fácil para Florence e David roubarem todas as cenas. E Rachel Weisz, uma senhora atriz, aparece subaproveitada. Pena.

 

“Viúva Negra” vai lá pro pelotão intermediário dos filmes Marvel. Está longe de ser surpreendente e legal como o primeiro “Capitão América” mas também não é o primeiro “Hulk” ou o segundo “Homem de Ferro” e, se comparado com os longas da Mulher Maravilha, praticamente se torna grande arte. Veja para se divertir e esquecer em seguida, mas sem perder a personagem de Florence de vista. Conselho de amigo.

 

 

Viúva Negra (Black Widow) – EUA, 2021

Duração: 134 minutos

Elenco: Scarlett Johansson, Florence Pugh, Rachel Weisz, David Harbour

Diretora: Cate Shortland
História: Jac Schaeffer; Ned Benson
Orçamento: US$ 200 milhões
Roteiro: Eric Pearson

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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