O peido é nas nossas caras

 

Regina Duarte declarou em seu discurso de posse à frente da Secretaria de Cultura: “cultura é aquele pum com talco, que sai do traseiro do palhaço. Cultura é palhaçada”. Confesso que ainda tenho – e, se tudo der certo, não deixarei de ter – muita dificuldade em lidar com estes novos tempos do Brasil. Para tornar a tarefa mais fácil, às vezes penso que o país acabou e algo novo está em seu lugar desde 2016. Noutras procuro admitir, meio derrotado, que ele sempre foi assim e já foi tarde. O fato é que o atual governo e seus integrantes parecem escolhidos a dedo para executar a missão de destruição absoluta de qualquer possibilidade de relevância política, social, econômica e … cultural, que o Brasil possa ter em seu território ou para o contexto mundial. A cada manchete, declaração e escândalo, pedaços maiores ou menores da ideia de Brasil que tínhamos vai pelo ralo da história.

 

Outro dia o ex-capitão burrista novamente maltratou a imprensa local. Pense na triste sina do jornalista nestes tempos. Empregado via MEI, sem férias, décimo-terceiro ou direitos, ele precisa morar em Brasília para cobrir o Palácio do Alvorada.  Também precisa esperar pelo ex-capitão, que irá, com sorte, sibilar um monte de palavras sem qualquer importância, que nada mudarão a vida do país. Mas, isso é para os dias afortunados: não raro, na verdade, rotineiramente, o burrista ainda diz que um jornalista tem cara de gay, que outro tem a mãe na zona ou que uma terceira quis dar o furo. Há poucos dias, dizia eu, ele recrutou o lamentável comediante Carioca para falar com a imprensa como se fosse o presidente. Em meio à imitação, bananas foram distribuídas para os jornalistas precarizados. Parece que alguns deles deram as costas para o triste espetáculo e foram embora. Enquanto isso, o burrista escapuliu de responder perguntas sobre o pífio desempenho da economia, cujo PIB não consegue crescer. Aliás, é a mesma imprensa que atacava a ex-presidente Dilma por conta do “pibinho”.

 

O maior responsável pelo “píbio” (mistura de PIB com pífio, que eu acabei de inventar aqui) é o ministro paulo guedes. Veja, este senhor é o líder intelectual, o detentor de notório saber, o acadêmico da economia deste governo burrista. Ostenta a formação pela Universidade de Chicago como se isso fosse um pedigree enorme. Para mim é um atestado de incapacidade para gerenciar a economia até do bar aqui em frente de casa. É a comprovação de que ele irá privilegiar – e não lutar contra e defender o país – os ditames neoliberais. A gente já falou deles por aqui, mas é bom lembrar que o neoliberalismo, em uma instância bem simples, é uma visão econômica que privilegia o livre mercado de forma radical, com a menor interferência estatal possível. Se nos anos pós-Segunda Guerra, o capitalismo teve uma variante mais branda, chamada Estado de Bem Estar Social, a gente poderia dizer que o neoliberalismo é um Estado de Bem Estar Corporativo, no qual há uma estrutura para proteger o grande capital especulativo em detrimento do capital produtivo. É a apoteose dos bancos, financeiras, agiotas e o fim do produtor. É o dinheiro especulativo sobre o produtivo, é o trabalho precarizado sobre o documentado. É essa estrutura que guedes defende e que está emperrando a economia, sob tantas isenções fiscais e privilégios dados a este setor especulativo, sem falar na prevalência do capital estrangeiro sobre o nacional. E tome reforma da previdência e cortes no orçamento para quê? Para a economia piorar. Fomos enganados, certo? Quer dizer, quem votou nessa gente e quem achou que não faria diferença se não votasse.

 

É a mesma estrutura que foi imposta ao governo Dilma a partir de 2014, marcada pela posse de joaquim levy como Ministro do Planejamento e que já iniciou a derrocada da economia em 2014, que já dava sinais de instabilidade desde o início da década. Mas a crise que originou o impeachment sem crime da ex-presidente foi agravada pela postura do Congresso Nacional, chefiado por eduardo cunha e renan calheiros, que impossibilitaram as ações de correção propostas pelo governo.

 

Por piores que fossem os índices de Dilma em termos econômicos, nada que ela tenha feito supera a desvalorização crescente do real, o “píbio”, a precarização, o desemprego, o emperramento da economia. Como se isso não bastasse, quem está à frente das decisões do país são pessoas que não poderiam estar à frente nem de uma barraca na feira livre mais próxima. São pessoas inacreditáveis e alopradas, para dizer o mínimo.

 

Tenho uma visão pessoal de que há um projeto sinistro em curso para que a própria Presidência da República seja alvo de um descrédito absoluto e total. Afinal de contas, quem está lá atualmente é um sujeito que não tem qualquer possibilidade de exercer nem um mandato de síndico. A cada presepada diante da imprensa, o ex-capitão maltrata o cargo que ocupa, não o profissional que lá está. Ele espezinha da Presidência, a atira na lama, peida com e sem talco na cara dela – e na nossa – e faz a delícia de uma horda de pessoas ressentidas, reprimidas, más, que não têm em mente a sociedade como algo para todos. Exaltam a caça às diferenças como sua maior bandeira, rezam em igrejas que privilegiam o sucesso pessoal em vez da colaboração coletiva e apoiam um não-presidente como é o ex-capitão.

 

No dia 15 de março estas pessoas já marcaram uma manifestação na qual pedirão, entre outras coisas, o fechamento do Congresso Nacional, porque este, segundo a visão paralela dessa gente, inviabiliza o governo atual, impedindo suas decisões e impedindo o burrista de exercer sua autoridade. É um caso patológico de gente protestando para ter menos direitos, para não ter eleição, para a perpetuação deste estado atual de coisas.

 

A imprensa, tão feroz contra Dilma, agora recebe bananas.

 

A economia, que tinha o real forte e possibilitava a conquistas de ganhos materiais para a classe média, hoje tem no motoboy e no motorista de uber os seus maiores símbolos.

 

A cultura, outrora motivo de orgulho perante o mundo, é amputada de toda a sua importância por um nazista e, após ele, por uma senhora tresloucada, que a compara com um “pum de palhaço”.

 

Pensando bem, talvez seja.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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