Radiohead rankeado

 

Ao contrário da maioria esmagadora dos críticos de música, eu não vejo nada demais no Radiohead. Acho, claro, uma banda íntegra, com uma carreira audaciosa e capaz de fazer declarações estéticas importantes, mas, uma coisa é entender o posicionamento artístico, outra é usufruir de sua manifestação. Por mais que seja necessário admitir que álbuns como “OK Computer”, lançado em 1997, tiveram papel decisivo na mudança de paradigma do rock alternativo, (re) estabelecendo seu caráter grandioso, além de documentar seu tempo com bastante precisão, não posso dizer que este seja um álbum do qual eu goste. Este é só um exemplo da minha visão sobre o grupo de Oxford.

 

Por essas e outras, resolvi fazer um ranking dos nove discos lançados pelo Radiohead desde 1993. É uma discografia elegantemente reduzida, para uma banda prestes a completar três décadas de atividade. É interessante notar o quanto Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway mudaram ao longo do tempo e não tiveram receio em abraçar novas sonoridades, talvez seu maior mérito. Em tempos caóticos, mais precisamente, na virada do milênio, o Radiohead, que iniciara a carreira emulando algo do Nirvana, apresenta-ve sem guitarras. Admito que é necessário certo ímpeto e coragem para tal, sendo ele uma banda originária do rock.

 

Hoje em dia, o que é o Radiohead? Uma instituição entre seus fãs e admiradores? Um artista com algo novo a declarar? Vamos ver como seus discos traduziram este tempo transcorrido.

 

9 – King Of Limbs (2011) – Ainda que tenha surgido na Internet de surpresa e com a premissa do fã definir seu valor, “King Of Limbs” é um saco. Complicado, confuso, pretensioso, sem boas canções e com uma auto- indulgência que nem é comum numa banda como o Radiohead. A visão de Thom Yorke fazendo a dancinha no clipe de “Lotus Flower” assombra as retinas de uma geração que gosta da banda e tem uma ótima vontade para com seus lançamentos. Para quem não é fã, meu caso, é a própria visão do caos em que estamos mergulhados há tempos temporais.

 

 

 

8 – Hail To The Thief (2003) – Depois de tanta inovação e definição de parâmetros musicais, era de se esperar um álbum melhor que este. Não que ele seja ruim, mas a banda definiu para si um “lugar sonoro” que foi abandonado por algo que ainda não estava maduro, ou seja, uma sonoridade que fosse, ao mesmo tempo, diferente de “Amnesiac” e “Kid A” e que mostrasse uma espécie de “novo caminho” para uma banda que definiu para si a missão de encontrar novos caminhos constantemente. “Hail To The Thief” parece um disco de transição – e é – mas com pouco brilho que justifique seu posicionamento. A exceção é “Sit Down, Shut Up”, uma bela canção com tensão crescente e pianos sombrios.

 

 

7 – Moon Shaped Pool (2016) – Este é, dentro da sonoridade que o grupo achou a partir de 2000, um “disco normal” do Radiohead. A banda se desobrigou de perseguir sonoridades e chegou num lugar confortável em que é possível ouvir e reconhecer e, mais que isso, ver que Yorke e cia conseguiram formatar um tipo de música que soa até pop para quem é familiarizado com seus preceitos. O single “Burn The Witch” é um ótimo exemplo deste “novo” “Som Radiohead”. Este é um disco para ser apreciado com mais calma, sem qualquer obrigação além de ouvir algo legal, com o padrão da banda.

 

 

6 – Pablo Honey (1993) – O disco de estreia do Radiohead não poderia ser uma criatura mais estranha no que se tornou a obra da banda. Enguitarrado, intrincado, com algumas tiradas irônicas – “Anyone Can Play Guitar” é uma ótima canção – e um hit planetário perene, “Creep”. Uma olhada na página do grupo no Spotify mostra que esta canção tem mais de 500 milhões de audições. Também foi com ela que conheci a banda, vendo-a num especial da MTV americana, tocando-a … na praia. Hoje é uma mera curiosidade, parecendo até um artefato vindo de outra realidade.

 

 

5 – OK Computer (1997) – Sim, eu sou do time que não vê em “OK Computer” a maravilha transcendental que muitos vêem. Acho que é um bom disco, pior que “The Bends”, justo por conta da abdicação da sonoridade anterior da banda em favor de algo diferente. Por outro lado, seu conceito e disposição de passar o mundo de 1997/98 no raio-X e detectar as angústias pessoais e do próprio rock como forma de expressão artística são louváveis. Musicalmente, o álbum é uma retomada vigorosa de sonoridades progressivas obscuras, especialmente de bandas alemãs como Can e Neu, que não eram muito conhecidas e que soaram novas e adequadas ao momento e ao conceito proposto. Claro que há bons momentos, especialmente em “Karma Police” e “Paranoid Android”, mas é um disco que tem mais aura e informação que conteúdo artístico para ser louvado.

 

 

4 – Amnesiac (2001) – Este poderia, perfeitamente, ser um “Kid B”, tamanha a sua semelhança com o disco anterior. Na verdade, ele mostra o quanto a banda ainda estava imersa na noção de novo milênio e do uso da eletrônica de forma criativa em sua música. As canções não têm o mesmo nível de “Kid A”, mas há uma faixa estranhíssima e ótima, chamada “Life In A Glasshouse”, que alterna metais, piano e sons sub-reptícios. Outro bom momento é “Knives Out”. É um trabalho que perde em criatividade, mas que reafirma este período estético na carreira da banda, totalmente imprescindível para o que ela realizou depois.

 

 

3 – The Bends (1995) – Este é um disco brilhante. Simples mas complexo, cheio de sonoridades interessantes, capaz de sintetizar as conquistas vocais de um Jeff Buckley e o rock pós-eletrônico que o U2 achou a partir de “Achtung Baby”, tudo na mesma levada. Ótimas composições, Yorke em ótima fase vocal e duas das melhores faixas da carreira: “High And Dry” e “Fake Plastic Trees”, que ainda virou tema de um comercial da APAE ou algo assim. Em termos não-eletrônicos, isso é o ápice do Radiohead.

 

 

2 – In Rainbows (2007) – Um disco surpreendente, moderno e descolado da imagem alienígena que a banda colheu intencionalmente para si, a partir do abraço à eletrônica. Não que “In Rainbows” seja um disco “comum”, pelo contrário. Ele traduz um “surto” guitarreiro-elétrico fora de hora, mas não abre mão das conquistas estéticas recentes. Desse “impasse” estético surgem ótimos híbridos como “Bodysnatchers”, uma das melhores faixas que o Radiohed gravou em toda a carreira. Tem a mistura eletroacústica de “15 Steps”, o baile em oceanos de outros planetas de “Nude” e no nervosismo controlado e contido de “Weird Flashes/Arpeggi”.

 

 

1 – Kid A (2000) – Meu disco preferido do Radiohead, definidor de uma abordagem de rock e música eletrônica renovada. Se “OK Computer” tem o conceito, “Kid A” tem a música, que é caótica, confusa, complexa, tudo intencionalmente. Os beats que surgem ao longo das canções do álbum são quase inéditos, fruto da aproximação com a tal IDM – Inteligent Dance Music – que era privilégio de poucos e bons artistas como Autechre e Aphex Twin – forneceu um arcabouço teórico-metodológico para as heranças rock formais da banda e o resultado é uma procissão de canções-zumbis, que vagueiam sob uma lua estranha em monitores de LCD. Desde a introdução maravilhosa com o piano de “Everything In Its Right Place”, que parece a trilha sonora pós-pandemia global, passando pelos não-hits “How To Disappear Completely” e “Idioteque” e chegando a “Motion Picture Soundtrack”, “Kid A” ainda é estranhamente atual. Soa como se fosse um último manifesto artístico proferido antes de um longo e terrível silêncio. É o grande disco da banda.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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