A prisão do pitbull

 

 

 

A prisão do deputado federal daniel silveira, ocorrida ontem, talvez tenha aberto um imporante precedente. Não lembro de ver alguém sendo encarcerado por fazer apologia ao AI-5, geralmente, as pessoas têm conseguido ser eleitas para cargos públicos quando fazem isso. Vide o próprio silveira, vide os filhos do atual presidente da República e, por que não, o próprio ocupante do Planalto. A democracia brasileira não parece ter medo desse tipo de discurso, justificado pela garantia da liberdade de expressão, mas, para tudo tem um limite. Em qualquer democracia consolidada do mundo, com uma Constituição vigente, a defesa que foi feita do torturador brilhante ustra em plenário, pelo futuro ocupante da presidência, na sessão que votou o impeachment sem provas da presidente Dilma Rousseff, deveria ser punida com prisão em flagrante.

 

O vídeo de silveira não fazia apologia apenas à ditadura civil-militar e seu momento mais sombrio, o AI-5, mas também atacava e ofendia vários ministros do STF, entre eles, Edson Fachin, Marco Antônio de Melo, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, que expediu o mandado de prisão contra o deputado ontem mesmo, dia 16. Ele foi preso em Petrópolis, na região serrana do Rio. Não custa lembrar que o parlamentar do psl-RJ já protagoniza uma série de episódios em que as noções básicas de democracia foram, digamos, aviltadas completamente. Participação em comício eleitoral quebrando placa da vereadora Marielle, invasão de escolas públicas no Rio para inspecionar professores e alunos sobre “questões de ideologia de gênero”, tumulto em vôo comercial por se recusar a colocar a máscara contra a contaminação por covid-19, participação no inquérito das fake news, participação em atos anti-democráticos, a ficha é bem longa…

 

O que poucos sabem é que a folha corrida de silveira é bem mais extensa. O site The Intercept Brasil publicou em 12 de agosto de 2020, uma matéria que mostra com detalhes a quantidade de infrações e consequentes prisões a que silveira foi condenado em seu tempo de serviço como PM. Mais ainda: mostra como, segundo depoimentos de ex-companheiros de corporação, o ex-soldado usava a PM para se promover, gravar vídeos sensacionalistas em serviço e protagonizar uma versão tosca e lamentável dos programas jornalísticos pinga-sangue, que infestam as TVs e rádios ainda hoje.

 

A reportagem do Intercept mostra também como silveira era negligente como policial, o tanto de vezes que infringiu normas e regimentos e como fez uso de vários artifícios para não ser incluído na Lei da Ficha Limpa, que impediria sua candidatura em 2018, ano em que foi eleito com inacreditáveis 32 mil votos.

 

Mas um fato é importante nesta nova prisão. Por mais que duvidemos de suas noções da realidade, silveira não é burro. Aliás, nenhuma dessas pessoas inacreditáveis que se apoderaram do estado brasileiro são. Pelo contrário. Ele sabia que tal vídeo, com ataques ostensivos ao STF, iria resultar em sua prisão e, ao mesmo tempo, lhe dar visibilidade. O motivo do famigerado vídeo foi um desafio ao ministro Fachin, que dissera dias atrás que qualquer forma de pressão sobre o Poder Judicário era “intolerável e inaceitável”. A manifestação do ministro foi feita após revelação que um tuíte do general villas boas, feito em 2018 e interpretado como pressão para que o STF não favorecesse o ex-presidente Lula, teria sido planejado com o Alto Comando das Forças Armadas.

 

“O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”, disse silveira no vídeo.

 

Estamos celebrando, mas de olhos bem abertos no que está ocorrendo na política brasileira. Nada disso é fruto do acaso, gente.

 

Veja a reportagem do The Intecept Brasil sobre o tempo de silveira como PM

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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