O ótimo disco solo de Maurício Barros
Mauricio Barros – Não Tá Fácil Pra Ninguém
Gênero: Rock
Duração: 31:29min
Faixas: 10
Produção: Mauricio Barros
Gravadora: Tratore
Este primeiro disco solo do tecladista do Barão Vermelho é o produto mais bem acabado dentro do que se entende por “pop-rock-carioca”, que eu ouço em décadas. Bem produzido, bem tocado, cheio de ótimas composições, “Não Tá Fácil Pra Ninguém”, caso fosse um artefato sonoro dos anos 1980/90, seria sucesso certo em rádios e teria clipes rolando na MTV. Isso nem é surpresa quando se trata de um cara como Mauricio Barros, que segurou as teclas do Barão Vermelho por décadas e, lá em 1988, deu uma escapada para formar o grupo Buana 4, que emplacou o sucesso “Eu Só Quero Ser Feliz” na trilha sonora da novela global Top Model. Maurício também é autor de sucessos grudentos como “Puro Êxtase”, “Amor pra recomeçar”, “Por você”, todas da lavra do Barão Vermelho, ou seja, o homem entende do assunto e tem fluência na ourivesaria pop. E neste disco ele oferece dez faixas com participações especiais de músicos das bandas de Marcelo D2 e Ney Matogrosso, além de parcerias com Fausto Fawcett e Otto. Tudo nos trinques.
Maurício, de 57 anos, é uma criatura musical oitentista, o que se percebe facilmente neste disco. Tudo aqui te musculatura rock ou funk, com ótima produção – assinada por ele – e a tal fluência pop que salta aos olhos por todos os cantor. Tudo tem refrão bem definido, arranjo enxuto, ótimas ideias e credenciais de sobra para suplantar todos os trabalhos solo de Frejat no quesito “ex-Barão gravando disco”. Maurício também tem ótima voz e suas composições não complicam o que é simples. Ele entende que a função deste tipo de música é comunicar facilmente uma mensagem e isso precisa estar envolto numa embalagem musical que, não só sustente, mas que amplie as possibilidades de letra e arranjo. E ele parece encontrar todas as soluções para as canções do álbum, levando-as sempre para um caminho mais simplificado, porém nunca simplório. Tudo que se ouve no álbum é bem tocado, bem pensado e executado por ele e este time de feras de estúdio/estrada.
A faixa de abertura, “Alô Alô humanidade, parceria com Fausto Fawcett, é rock oitentista brasileiro legítimo, totalmente rearranjada para os anos 2020, sem perder um centímetro de gume. Neste mesmo estilo, mas com flerte pra lá de assumido com as levadas stoneanas que sempre povoaram as canções do Barão Vermelho, “Mania” é um exemplo inegável de fluidez melódica. Mas Maurício sabe que os tempos não são mais exclusivamente do rock, então ele abre espaço para algo que poderia ser um híbrido dançante-roqueiro leve em “Senti que dancei”, parceria com Patrícia Polayne, que mostra a tal fluência pop, tanto na letra, quando no arranjo espertinho . “Como você está?”
é de sua autoria solo e atende a todos os requisitos de balada pop rock clássica, com melodia e achados no arranjo que são bem bacanas.
Também no setor de flerte com sons de origem stoneana, “A rua e eu”, colaboração com o ex-parceiro de Buana 4, Gian Fabra, é uma beleza que se abre em balada folk no refrão mas conserva um andamento lento e manhoso à base de guitarras. “Zanzando”, com letra de Arnaldo Antunes, é ode ao amor que acabou cedo demais e que captura a pessoa desnorteada, precisando encontrar/criar novos caminhos, tudo num invólucro pop folk mais tradicional, com percussão e detalhes sutis de produção que dão vontade de ouvir alto e em fones de ouvido. “Abra essa porta”, com participação de Otto nos vocais e composição, tem um baita arranjo intrincado, cheio de percussões e uma aura gospel estranha mas inegável. A mensagem é de otimismo e permanência, o que funciona muito bem com o tom alcançado no resultado final. A surpresa vem na faixa-título, que é um samba clássico, cheio de malandragem, com letra que ataca negacionistas e anti-vaxers de todos os tipos, numa bem urdida pancada nessa gente. “Já Me Sinto Bem”, em parceria com Bruno Levinson, é um ska-rock clássico, lembrando a virada dos anos 1970/80 com belezinha de instrumental, abrindo espaço para “Não Desista”, a última faixa, que esbofeteia o ouvinte e o impede de ceder ao peso dos dias e dos fatos.
“Não Tá Fácil Pra Ninguém” é um belo trabalho de música brasileira bem tocada, totalmente moderna e devedora das melhores fontes de inspiração daqui e de fora. Maurício Barros conseguiu manter seu DNA baronesco intocável e adentrar novos territórios com legitimidade e competência. Que esta carreira solo renda mais frutos.
Ouça primeiro: “A Rua e Eu”, “Mania”, “Zanzando”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.