Nara Leão, 80 anos, 20 canções

 

 

Minha mãe costumava contar que fora amiga de Nara Leão e sua irmã, Danuza. Mais que isso: era da turma que frequentava as reuniões musicais nos apartamentos daquela Copacabana ideal, da virada dos anos 1950/60. E dizia que havia tido um namorico com Carlos Lyra, mas disso eu sei bem pouco. O fato é que minha mãe foi testemunha ocular dessa fase dourada do Brasil dos tempos de JK e da expectativa por um governo realmente popular, frustrada com a eleição anômala de Jânio Quadros e, posteriormente, sua renúncia, que deu início ao processo golpista que culminaria em 31 de março de 1964. Neste espaço de tempo, Nara Leão se consolidou como a musa da Bossa Nova, título que nunca lhe fez jus como artista. Ainda que sua voz e figura sejam, por assim dizer, a expressão fiel da música que era cultivada por seus criadores, Nara logo saiu do escopo banquinho-violão e adentrou searas novas, incluindo o samba de protesto, a Tropicália e uma carreira elegantíssima e discreta – como ela – nos anos 1970.

 

Com uma vida curta demais, falecendo em 1989 por conta de um tumor cerebral, Nara, que soubera da doença ainda no início dos anos 1980, teve esta década marcada por álbuns belos mas feitos a custa de muita tristeza e várias montanhas-russas emocionais. Hoje, dia 19 de janeiro de 2022, Nara completaria 80 anos.

 

A gente adora fazer lista pra comemorar estes eventos e, como não havia nada relacionado à Nara na Célula Pop, decidimos que de hoje não passaria. É uma relação de músicas guiada pelo coração mais do que pela crítica musical, porque não há como dissociar a figura, as canções e as histórias sobre Nara do que a gente sente. Tenho certeza que ela aprovaria este critério.

 

– O Sol Nascerá (1964) – Um dos mais belos sambas de Cartola, com a interpretação tímida de Nara, mas que recebe um reforço inexplicável em seu canto. Lindeza de seu primeiro disco.

 

– Diz Que Fui Por Aí (1964) – Belo samba composto por Zé Keti, com uma mensagem de liberdade no pós-amor, algo que era bastante revolucionário naquele tempo. Também do primeiro disco de Nara, homônimo, de 1964.

 

– Samba da Legalidade (1965) – Outro samba composto por Zé Keti e interpretado por Nara em sua fase de canções de protesto e conscientização. Aqui ela dá voz a uma verdadeira homenagem à chamada “Rede da Legalidade”, em que Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, garantiu a posse de João Goulart em 1961 através de transmissões de rádio nas quais lembrava da legalidade da posse segundo a Constituição Federal. Do álbum “O Canto Livre”.

 

– Não Me Diga Adeus (1965) – Samba-lamento belíssimo, composto por Luiz Soberano e gravado por Araci de Almeida nos anos 1940. O arranjo é impressionante. Também do álbum “O Canto Livre”.

 

– A Banda (1966) – A interpretação de Nara para “A Banda”, de Chico Buarque, é um dos momentos mais belos e significativos da música brasileira. E ponto final. Do álbum “Manhã de Liberdade”, de 1966.

 

– Olê Olá (1966) – Nara tornou-se uma das maiores intérpretes das canções de Chico Buarque e esta gravação é uma prova disso. Do álbum “Nara Pede Passagem”, também de 1966.

 

– Quem Te Viu, Quem Te Vê (1967) – O álbum “Vento de Maio”, de 1967, marca um ponto de ruptura na carreira de Nara, que iria enveradar por ares tropicalistas pouco depois. Esta gravação de outro clássico de Chico marca o início dessa mudança.

 

– Lindoneia (1968) – Aqui está a Nara tropicalista, algo improvável na época, mas totalmente sensacional. Sua voz singela empresta um requinte insuspeitado ao todo e essa interpretação do clássico de Caetano e Gil é imaculada.

 

– Um Chorinho Chamado Odeon (1968) – O outro lado da Tropicália, de ressignificar e reinterpretar marcos clássicos da cultura nacional vinha aqui com esta interpretação adorável da canção de Ernesto Nazaré e Vinicius de Moraes.

 

– Você e Eu (1971) – Nara não fora musa da Bossa Nova à toa. Em 1971 ela gravou um disco lindíssimo chamado “10 Anos Depois”, em que reinterpretava clássicos do movimento. Aqui ela mostra do que é capaz.

 

– Estrada do Sol (1971) – Esta canção de Tom Jobim e Dolores Duran é uma das mais belas criações da nossa música e tem várias interpretações marcantes. Esta aqui é a minha preferida pessoal. Também do álbum “10 Anos Depois”.

 

– História de Uma Gata (1977) – A participação de Nara no álbum “Os Saltimbancos” é antológica e esta interpretação que ela registrou é um dos marcos para quem era criança nos anos 1970. Maravilhosa e inesquecível.

 

– Flash Back (1977) – Nara registrou um álbum chamado “Meus Amigos São Um Barato”, no qual recebia várias participações especiais. Aqui ela recebe o velho companheiro de Bossa Nova, Roberto Menescal, e registra esta belezura aqui.

 

– Odara (1977) – Outra gravação do álbum de convidados, aqui com Caetano Veloso no auge do sucesso de “Odara”. Arrisco dizer que esta versão lenta e climática do clássico é tão ou mais bela que a versão original do baiano.

 

– João e Maria (1977) – Esta é outra gravação marcante dos anos 1970, Nara e Chico Buarque num dueto imaculado de uma das mais belas composições de Chico.

 

– Quero Que Vá Tudo Pro Inferno (1978) – Nara era fã da obra de Roberto e Erasmo Carlos e gravou um álbum inteiro em sua homenagem em 1978, escolhendo como título esta canção imortal da Jovem Guarda. Sua versão lenta e abolerada é um marco.

 

– A Rita (1980) – Canção clássica de Chico Buarque abria o álbum “Com Açúcar e Com Afeto”, de 1980, marcando a entrada de Nara na década.

 

– Amor Nas Estrelas (1981) – Em 1981 Nara gravou o seu disco mais pop, no sentido de pop brasileiro daquele tempo de mudança. Esta canção foi um presente de Rita Lee e Roberto de Carvalho para ela, uma lindeza sem par.

 

– Nasci Para Bailar (1982) – Minha gravação preferida pessoal do repertório de Nara, um colosso adorável da lavra de João Donato. Faixa que abria o álbum do mesmo nome, de 1982.

 

– Telefone (1984) – Dueto sensacional registrado com o grupo vocal Boca Livre no disco “Abraços e Beijinhos e Carinhos Sem Ter Fim, talvez o último trabalho essencial da carreira da moça.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *