A felicidade afrontosa do Shonen Knife

 

 

 

 

Shonen Knife – Our Best Place
34′, 10 faixas
(Good Charamel)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Como a maioria esmagadora dos brasileiros, conheci o trio japonês Shonen Knife na coletânea em homenagem aos Carpenters, “If I Were A Carpenter”. Neste álbum, clássico dentre os tributos gravados nos anos 1990 – uma febre ao longo da década – o grupo aparecia com uma versão muito bacana para “Top Of The World”, cujo original tem um arranjo meio country pop. Com as Knifes, a canção transformou-se num punk rock ensolarado e eficiente, com vigor e alegria. Logo o grupo tornou-se um pouco mais conhecido do público até mundial, uma vez que, mesmo nos Estados Unidos o trio começava a fazer sucesso, especialmente a partir de uma troca de canções-título com o grupo americano Redd Kross. Algo inédito até hoje no mundo pop – uma banda gravou uma canção com o nome da outra. Fato é que as japonesas – Naoko Yamano, Atsuko Yamano e, na época, Michie Nakatani – até chegaram a regravar várias canções de sua primeira fase na carreira – que remonta até 1981 – em Inglês, justamente visando o mercado ianque.

 

 

Muito tempo se passou desde então. Hoje, 2023, o Shonen Knife ainda existe firme e forte, apenas com uma mudança: sai Nakatani e entra a adorável Risa Kawano na bateria, uma ex-fã convertida em participante da banda. O novo álbum é o vigésimo-quarto numa carreira iniciada em Osaka, como dissemos, em 1981. A fórmula da banda ficou miraculosamente intacta ao longo destes mais de 40 anos – um rock básico, que mistura Ramones e Beach Boys com Kiss e Thin Lizzy, entre outras coisas, sempre contrastando as guitarras pesadinhas com a doçura das vozes femininas em japonês, sempre dando a ideia de que estamos ouvindo um mangá cantante ou algo no gênero. As letras e a temática das canções do Shonen Knife também permanecem fiéis ao que sempre fizeram – diversão e alegria, que caminham pela alameda da ingenuidade. Sendo assim, como poderia uma banda como essa emergir da pandemia da covid-19?

 

 

A resposta é simples: usando o rock como meio de expressão da felicidade e do otimismo. Aqui não tem roqueiro véio fã de banda ultrapassada, tampouco fã ignorante e conservador que não entende o que seu artista progressista sempre cantou na carreira. A onda do Shonen Knife é usar o rock para chamar as pessoas à diversão total sob o sol do verão e caso você diga que isso é sinal de alienação, a resposta vem como um raio: encontrar felicidade nas coisas simples é uma arte, possivelmente oriental. Desta forma, canções como “Better”, cujo objetivo primordial é fazer o ouvinte crer que as coisas vão melhorar, imediatamente se revestem de realidade quase lógica. Ora, se passou a pandemia, as coisas já estão melhorando. Trata-se de enxergar a simplicidade das coisas, algo que, perdoem o trocadilho, é bem complexo.

 

 

Com esta pegada, o trio oferece 34 minutos de saudável abraço a uma visão positiva da vida. Tem as fofas “Mujinto Rock” e “Nice Day”, que vão convertendo limão em limonada cor de rosa ao acreditar que, sim, dá pra ter um bom dia em meio a esta roda viva que insiste em levar a alegria pra lá. Tem canções adoráveis sobre … comida, a saber, “Spicy Vegan Curry” e “Afternoon Tea”, que glorificam o papel que certas comidas têm de alegrar o comensal. Além disso, “Ocean Sunfish” faz uma reflexão, digamos, simples, sobre a vida marinha, enquanto o grupo ainda encontra espaço para regravar uma canção antiga – “Girl’s Rock”. E encerra o disco com uma adorável cover dos escoceses do Pilot: “Just A Smile”, que se encaixa como uma luva neste pequeno e involuntário tratado sobre a felicidade como filosofia de vida.

 

 

Shonen Knife é punk pop chicletudo de verão. É banda ideal para combater esse poço de chatice que o rock se transformou. Se não é original – e não é – pelo menos se vale de uma ideia afrontosa para este mundo competitivo: dá pra ser feliz com pouco. Maravilha.

 

Ouça primeiro: “Better”, “Have A Nice Day”, “Ocean Sunfish”, “Just A Smile”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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