O Caso Richard Jewell – Não deixe de ver

 

 

Você lembra do caso da Escola Base? Eu estava na faculdade de jornalismo quando aconteceu. Em março de 1994, seus proprietários (o casal Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada), a professora Paula Milhim Alvarenga e o seu esposo e motorista Maurício Monteiro de Alvarenga foram injustamente acusados pela imprensa de abuso sexual contra alguns alunos de quatro anos da escola. Em consequência da revolta da opinião pública, a instituição foi obrigada a encerrar suas atividades logo em seguida. Logo apurou-se que os quatro não tinham qualquer participação nos crimes, mas o estrago já estava feito. Mesmo depois de processar os veículos de mídia – e ganhar nas primeiras instâncias – os acusados conseguiram recuperar sua tranquilidade. “O Caso Richard Jewell”, dirigido e escrito por Clint Eastwood, fala da mesma situação: o poder avassalador da mídia e o descuido em seu uso.

 

Richard Jewell é o nome do segurança acusado de plantar uma bomba no Centennial Park, durante o transcorrer das Olimpíadas de Atlanta. Extremamente identificado com a profissão e zeloso com o dever de proteger e impor a ordem e a lei à sociedade, Jewell teve passagens prévias que poderiam colocar em dúvida o seu caráter. Era um cara que gostava de armas, morava sozinho com a mãe, homem branco, gordo, feito sob medida para os perfis de psicopatas em potencial. É justamente isso que o FBI utiliza na investigação do acontecido, ajudado pelo caráter duvidoso da imprensa local. Tal fato levará o Agente Evans (vivido por Jon Hamm), e a jornalista sensacionalista (Olivia Wilde) à quase conclusão sem provas que Jewell é o responsável pelo ocorrido. Daí para a condenação virtual, sem provas, é um passo pequeno.

 

Se o filme tem um problema, ele está, justamente, nas atuações de Hamm e Wilde, que mergulham na caricatura involuntária de seus personagens, mas os contras ficam por aqui. O resto do elenco, especialmente Paul Walter Hauser, que vive Jewell, além de Kathy Bates, que interpreta sua mãe, Bobi, seguram a onda e levantam a bola na área para que Sam Rockwell, um baita ator, brilhe fortemente como o advogado gente boa que topa defender Jewell, justamente por conhecê-lo previamente e apostar em sua integridade, apesar do que é dito aos quatro ventos.

 

Clint Eastwood é um diretor corretíssimo. Sua condução é sóbria, elegante e mostra, mais que tudo, a boa vontade constrangedora que Jewell tem durante a investigação, fazendo com que sua mãe e seu advogado se enfureçam diante de sua passividade. Ainda que o longa exija uma pesquisada nos fatos do atentado à bomba, é possível ver que Clint manteve-se fiel a tudo que aconteceu e não tem qualquer pudor em questionar o sensacionalismo, a ineficiência da polícia federal americana e a passividade do público espectador. Ele faz tudo isso sem apelar para clichês, mesmo que tenha pecado na construção dos personagens de Hamm e Wilde.

 

Em tempos de fake news, pós-verdade e outros termos para definir o significado de “mentira”, o filme tem uma função interessante a cumprir: a de, novamente, questionar interesses e juízos de profissionais que ocupam posições no estado e na imprensa. Se você pensou em relacionar com o nosso pobre país, não pensou errado. Serve para cá também. E como serve.

 

Richard Jewell

Estados Unidos, 2019

De: Clint Eastwood

Com: Sam Rockwell, Paul Walter Hauser, Kathy Bates

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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