O rock dos anos 2010 – Arcade Fire e Arctic Monkeys

 

 

Estava olhando a escalação do Coachella 2020 e, mesmo que seja um festival bastante peculiar e alternativo, notei o quanto o rock foi escanteado das escolhas. Exceto por uma ou outra banda e o retorno do Rage Against The Machine aos palcos, a quase totalidade de artistas selecionados é de música pop, eletrônica e hip hop. Na verdade, isso só surpreende quem insiste em viver no século 20. O rock foi perdendo seu lugar na preferência dos jovens e isso se deve a vários fatores: falta de identificação, problemas econômicos, perda de criatividade dos artistas do segmento, mídia corporativista, falta de renovação, são muitos os motivos. O pior e mais sério deles talvez seja que o rock não conseguiu avançar pelo tempo. Parece preso – e está – a parâmetros definidos há vinte, trinta anos e sua audiência é prisioneira disso.

 

As posturas, as atitudes e a identificação – algo decisivo – já não existe tanto quanto antes. Sendo assim, é fácil pensar no ouvinte de rock como um conservador, uma pessoa que ainda mede a música pela habilidade deste ou daquele solo, daquele andamento com riffs de guitarra, coisas assim. Depois de pensar, pensei que o estilo só pode sobreviver como uma força criativa se apostar em trabalhos como os de bandas como Arcade Fire e Arctic Monkeys. Se estas bandas servirem como parâmetro para o surgimento de novos artistas, há uma chance – pequena – do rock voltar a ter protagonismo. Vejamos.

 

Para chegar no nome de Arctic Monkeys e Arcade Fire para este texto, levei em conta alguns fatos. Ambos os grupos têm três discos lançados na última década. Todos estes trabalhos serviram para reafirmar as carreiras dos grupos mas também representaram mudanças estéticas importantes. Sendo assim, temos um elemento essencial para a relevância artística: a inovação. Tanto os ingleses quanto os canadenses não têm qualquer desejo de permanecer fazendo a mesma coisa que faziam quando iniciaram suas atividades, no início dos anos 2000. Em termos de carreira, AM e AC se equivalem, o primeiro com seis, o segundo com cinco álbuns lançados até aqui. O último disco dos canadenses foi o excelente “Everything Now”, de 2017, no qual o grupo de Will e Win Butler avançava pela assimilação da música pop de matriz setentista/oitentista – Talking Heads, Blondie, Abba – procurando uma nova liga sonora. A meu ver, depois de ouvir detidamente as treze faixas do disco, conseguiram.

 

Antes dele, o Arcade Fire lançou “Reflektor”, em 2013, um álbum duplo, no qual abria as possibilidades de sua música para as influências de David Bowie e do rock eletrônico setentista. E, cinco anos antes, em 2010, o grupo soltou o que considero seu melhor trabalho – e um dos melhores discos da década – “The Suburbs”, um verdadeiro inventário de rock saudosista sem nunca ser sido feito, mas que, novamente, explora território de bandas sessentistas obscuras e de nuances de David Bowie. Não é necessário dizer que o Arcade faz tudo isso parecer e soar novo e totalmente atual. Sem este poder, nem adianta aparecer nesse texto.

 

O Arctic Monkeys vem de um disco quase conceitual, o ótimo “Tranquility Base Hotel And Casino”, de 2018. O líder do grupo, Alex Turner, tem um projeto paralelo chamado Last Shadow Puppets, no qual explora a musicalidade romântica/dramática de gente como Scott Walker e do prório David Bowie. Dá pra dizer que, até “Tranquility…”, Turner só conseguiu evitar que a matriz do LSP respingasse na paleta musical do Arctic Monkeys. O novo disco é cheio de climas lúgubres, canções sem refrão, soturnas, todas amarradas por um conceito de futuro do passado, no qual o título do disco alude ao Mar da Tranquilidade, na Lua, numa possível instalação recreativa que nunca chegou a existir. Até este disco, os Monkeys fizeram outros cinco trabalhos em que a quantidade de ótimas músicas e boas ideias só fizeram comprovar seguidamente o talento de Turner como compositor e vocalista.

 

Partindo de um rock que vai até as origens sessentistas e britânicas do estilo, o AM foi incorporando elementos que vão de T.Rex a The Smiths, enquanto foram soltando singles poderosos e aglutinadores de público. Chegaram nos anos 2010 com uma parceria produtiva com Josh Homme (Queens Of The Stone Age), que pilotou o estúdio em seu terceiro álbum, “Hombug”, de 2009. No trabalho seguinte, “Suck It And See”, o grupo já viera com novas influências e reafirmando seu poder em ótimas canções. O máximo desta fórmula foi atingido em 2013, com o provável melhor disco de sua carreira, “AM”. Depois disso, Turner e seus amigos conquistaram o mundo como uma espécie de reserva moral do rock, uma ponte entre sucesso de crítica e de público.

 

A meu ver, qualquer banda que deseje seguir no rock como força criativa precisa se espelhar num desses dois caminhos. O rock alternativo, renovado e poroso de influências do Arcade Fire ou o pós-britrock de estádio introspectivo e enguitarrado do Arctic Monekys. Em ambos há o desejo de mudança, a falta de medo de ousar, boas ideias, bons discos no passado e a certeza de que ambos os grupos dominam a ideia essencial do rock, que é a mudança. São antítese e antídoto em relação ao que significam bandas como Foo Fighters, Red Hot Chili Peppers e similares.

 

É claro, se o ouvinte não quiser a adorável insegurança/surpresa sobre o que sua banda preferida anda fazendo e, ao invés disso, preferir a certeza de que um disco, uma música, um show será exatamente igual ao que já viu e ouviu, bem, estas duas bandas não são para ele. Isso aqui é para quem está procurando por mais. E, como tal, espero que estejamos em 2030 falando de novos nomes que honram a linhagem inquietante do rock.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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