O brasileiro Evan Dando

 

 

Eu sou fã de Evan Dando. Posso admitir e nem sei o motivo exato, apenas sei que gosto muito dos discos que ele gravou usando o nome de Lemonheads, banda que ele criou e da qual se tornou a única força criativa já no início dos anos 1990. Antes disso, na cena punk de Boston, Dando e sua turma eram amigos de Pixies e Dinosaur Jr, só para mencionar alguns. O cara já foi uma estrela do rock, no sentido real do termo. Estampou capas de revista ao longo de toda a década de 1990 e foi sex symbol, estrelou festivais graúdos, tornou-se um mito no assunto “pessoa consumida pelas drogas diante das câmeras”. Mas, e daí? Ele segue vivo, operante e vivendo na Serra da Cantareira, junto com a família do músico Renato Teixeira, cuja filha, Antônia, é sua atual namorada. Dando está com 55 anos e hoje, dia 4 de março, é seu aniversário, e Evan volta ao palco do Sesc para mais um show.

 

 

Há vídeos gravados da apresentação de ontem – que estão no fim do texto – e eles mostram um homem que viveu intensamente. Desajeitado, com a voz a meia bomba, parecendo alto demais, Dando fez um set de clássicos do Lemonheads. Para nós, brasileiros, a banda é praticamente desconhecida, a menos que sejamos alguns dos poucos que prestavam atenção na MTV, se informavam sobre rock e música nos anos 1990 através da revista Showbizz, ou seja, o público interessado no assunto. O Lemonheads nunca quebrou a barreira dos alternativos, mesmo quando fez a cover de “Mrs. Robinson” (gravada em 1968 por Simon e Garfunkel). Lá fora, certamente foram enormes em seu tempo de glória, aqui, Dando e cia. eram um grupo de malucões para a maioria. Dane-se ela. Quando eu ouvi “It’s A Shame About Ray”, álbum lançado em 1992, encontrei uma espécie de porto seguro musical. O que aqueles sujeitos faziam era mais leve e melodioso que as bandas grunge, mas também guardava identificação com os anos punk iniciais do grupo, os quais eu ainda não conhecia.

 

 

Comprei o disco na velha Modern Sound e furei de tanto ouvir. Adorava “Confetti”, “Rudderless”, “Alison Starting To Happen” e “A Bit Part”, essas duas bem punkzinhas, mas melodiosas e tal. Dando declarou que o pessoal lá fora chamada sua música de “bubblegrunge”, um termo genial, que me parece preciso para definir. Era o boom do rock alternativo ianque, justo por conta do sucesso do grunge em 1991/92, catapultando um monte de outras bandas. O Lemonheads era uma dessas. Lembro que a crítica da Showbizz desancou “It’s A Shame…”, justo por não parecer mais pesadinho e mau como os álbuns anteriores. Clichê jornalístico inevitável e que despertava a curiosidade do leitor, que pensava: ora, já foi quase impossível ouvir este álbum, como eu vou colocar as minhas mãos nos anteriores, importados, lançados por selos independentes só lá fora etc?

 

 

Coloquei minhas mãos no álbum seguinte, “Come On Feel The Lemonheads”, lançado em 1993. Eu praticamente dava plantão na Video Game Center da Tijuca, esperando uma cópia para poder alugá-lo e ouvir. Sim, amigos, eram tempos difíceis para quem gostava de rock alternativo no país. Uma vez alugado, o álbum soou como uma continuação da sonoridade suave ma-non-troppo de “Ray” e era tudo o que eu precisava ouvir. Lembro de me apaixonar instantaneamente por “The Great Big No”, a faixa que abria o disco. A sequência com “Into Your Arms”, “It’ About Time” e “Down About It” parecia feita sob medida para mim e eu ainda me interessava pela banda quando veio o disco seguinte, “Car Button Cloth”, de 1996, lançado aqui um pouco depois, época em que eu já estava na Rock Press. Antes disso, Dando surgiu solo na trilha sonora do cult “Empire Records”, filme de 1995, um clássico entre os alternativos. Lá estava ele com uma versão redondíssima de “The Ballad Of El Goodo”, do Big Star. Conexões, conexões.

 

 

Foi na turnê de “Car Button Cloth”, que, apesar de um pouco inferior aos anteriores, ainda tem algumas ótimas canções (“The Outdoor Type”, “Break Me” e a lindinha “If I Could Talk I’d Tell You”), que o Lemonheads por aqui em 1997, a bordo do Skol Rock Festival, para tocar no Imperator, casa noturna que ficava no Méier, Zona Norte Do Rio, e que hoje se chama Centro Cultural João Nogueira. Pouco lembro do show, era uma fase em que Evan estava em altíssima rotação com as drogas. Mas, oras, eu estava lá. Algum tempo depois, ele soltaria um álbum solo, “Baby, I’m Bored”, regressando ao país para promovê-lo. Para isso, ele concedeu entrevistas para vários veículos de comunicação, entre eles, a briosa Rock Press. Não lembro quem foi o responsável por falar com Dando, mas lembro das histórias sobre como ele estava chapado durante o papo e dos relatos sobre seu inacreditável mau humor.

 

 

A vida seguiu. Fui, vim e voltei. Agora, mais pra lá do que pra cá, era de se imaginar que a música do Lemonheads não me pegasse mais como antes, mas, ora, cá estou eu ouvindo uma coletânea eficiente de hits dos caras enquanto escrevo este relato. Hoje Dando sobe para mais um show, comemorando seu aniversário com o público paulistano. Ontem dava entrevista ao G1 sobre como é mais barato fazer … tratamento dentário no Brasil do que nos Estados Unidos, não sem antes admitir que “eu me droguei demais ao longo da vida e meus dentes ficaram péssimos por conta disso”.

 

 

Não sei bem o que concluir disso, mas a passagem brasileira de Evan Dando tem um quê de redenção, de reinvenção e de sobrevivência para um cara que quase morreu incontáveis vezes, mas que ficou por aí. E, nesse meio tempo, compôs algumas das melhores canções de seu tempo. Quase fiz um bate e volta para vê-lo em momento tão ímpar e, pensando bem, me arrependo por não ter ido. Vida seguiu.

 

 

 

 

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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