Quando Bruce Springsteen mudou de prateleira

 

 

Bruce Springsteen & The E Street Band – The Legendary No Nukes Concert, 1979

Gênero: Rock

Duração: 90 min
Faixas: 13
Produção: Jon Landau
Gravadora: Columbia

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

Não há como avaliar este “The Legendary No Nukes Concert, 1979” de outra forma que não seja chamá-lo de marco histórico. Nem a decisão de condensar os dois shows que Bruce e sua banda deram no tal evento No Nukes, promovido por um coletivo de artistas chamado MUSE – Musicians United For Safe Energy – em 21 e 22 de setembro daquele ano é motivo para embaçar este lançamento. Os fãs do Boss sabem da importância vital que estes dois shows tiveram para sua carreira, confirmando algo que já havia se insinuado nos dois trabalhos anteriores de Bruce: “Born To Run” (1975) e “Darkness On The Edge of Town” (1978): o engajamento. Ao participar deste coletivo de artistas, num evento para apontar os perigos de usar a energia nuclear, emprestando sua presença e força, Bruce modificava aí uma das mais poderosas facetas de seu trabalho, o fato de emprestar sua voz e canções para os americanos trabalhadores e desfavorecidos pelas injustiças do sistema. Mesmo que tudo isso seja feito sob uma ótica totalmente estadunidense, ou seja, numa luta ideológica totalmente interna e em regras próprias, Bruce chegava a um novo patamar.

 

O ano de 1979 foi interessante para o grupo. Em março, Bruce e cia entraram em estúdio para gravar o sucessor de “Darkness”. Eles vinham de uma turnê intensa pelo país, com nada menos de 150 shows no segundo semestre de 1978. Estavam exaustos mas felizes e criativos, a ponto de compor as canções que iriam formar um outro álbum-chave em sua trajetória: o duplo “The River”, que sairia no ano seguinte. Sendo assim, quando aceitaram o convite do MUSE, Bruce e sua galera estavam em pleno processo criativo do disco seguinte. E concederam brindes inestimáveis para a audiência dos concertos: execuções em primeiríssima mão de algumas faixas já compostas, como, por exemplo, a épica faixa-título e a maravilhosa “Sherry Darling”. Somando a isso a habitural garra da banda no palco, com apresentações incendiárias e a causa da energia, sem falar na ótima forma técnica e tática de todos os envolvidos, não havia como algo sair errado.

 

E não saiu. “No Nukes”, como dissemos, é um marco na carreira dos caras e isso só aumenta quando vem a certeza de que Bruce e sua turma roubaram as atenções do evento, que era estrelado, por exemplo, por gente como Crosby, Stills And Nash, Peter Tosh, Tom Petty, James Taylor, entre outros. Sem dúvida, o pacotão live da E Street Band era demolidor demais para algo assim e, quando o álbum triplo comemorativo do No Nukes chegou às lojas, era a primeira vez que alguém ouvia uma performance ao vivo de Bruce. História, amigos. Mesmo que alguns pedaços do show tenham surgido no box quíntuplo “Live 1975-1985”, agora ele ganha um lugar em meio a apresentações marcantes da carreira do Boss, com muita justiça.

 

O setlist é composto apenas por maravilhas, não deixando um único espaço que não valha a pena ser ouvido. Tem o galope antológico de “Badlands”, a epopeia pessoal de “Prove It All Night”e os épicos absolutos “Thunder Road”, “Jungleland” e a indescritível “Born To Run”. No setor de covers, Bruce arrasa quarteirões com uma leitura incendiária de “Rave On”, de Buddy Holly; seu habitual medley de soul, o “Detroit Medley” e uma versão surpresa de “Stay”, uma pepita pop-soul de Maurice Williams, com participação de Jackson Browne, rosemary Butler e Tom Petty, num bailão atemporal e perfeito.

 

Tendo o evento acontecido no Madison Square Garden, praticamente uma segunda casa de Bruce e sua banda, a impressão é de que eles entraram em campo com o jogo ganho, a plateia na palma da mão e tudo a favor. Junto com apresentações de gente como The Who, Rolling Stones e Bob Dylan, em diversos momentos de sua carreira, não dá pra não pensar neste ‘No Nukes” como algo no mesmo nível. Perfeito.

 

Ouça primeiro – o disco todo.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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