Lloyd Cole no metaverso do sucesso global

 

 

 

 

Lloyd Cole – On Pain
37′, 8 faixas
(EarMusic)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Existe um metaverso em que Lloyd Cole é um superstar. Ou melhor, é um ícone, do mesmo jeito que um Morrissey da vida. Em 1984, quando lançou seu primeiro álbum à frente de sua banda, Commotions, Cole era um competidor real do vocalista dos Smiths. Menos afetado, mais elegante e cerebral, com um álbum irrepreensível embaixo do braço – “Rattlesnakes”, uma obra prima), ele poderia pleitear o protagonismo no rock alternativo britânico daquele tempo, numa raia em que ainda corriam The Cure, Echo And The Bunnymen e mais algumas pessoas e bandas sensacionais. Mas, ao contrário dessa galera toda, os Commotions duraram apenas mais dois álbuns e a inevitável carreira solo – que também se concretizaria para Morrissey, MacCulloch e outros – de Cole aconteceria em 1990. A partir daí, ele se permitiu experimentar vários estilos e abordagens, do powerpop ao eletrônico, acumulando influências distintas e se tornando um artista cada vez mais completo e único. O capítulo mais recente dessa elegante e prolífica trajetória chega agora, com este ótimo “On Pain”.

 

 

É o que a gente costuma chamar de “pequeno grande disco”, muito porque ele foi concebido em casa, no estúdio que Cole tem em sua casa em Massaschussets, nos Estados Unidos, onde mora há tempos. Lá ele recebeu seus ex-colegas de Commotions – o tecladista Blair Cowan e o guitarrista Neil Clark -, além de mais gente, como Joan Wasser, a própria Joan As Police Woman, e o produtor Chris Hughes, que já pilotou estúdios para Tears For Fears e Robert Plant, entre outros. Todos se integraram a Cole em suas oito composições híbridas, total flex, em que ele mistura timbres e tonalidades de sintetizadores a uma abordagem pop rock imorredoura, preservando ainda o toque sutil de suas letras e visões de mundo. O todo sensacional que emerge desse trabalho compõe o ramalhete de canções que é “On Pain” que, apesar do título e da cara tristonha de Cole, não é um álbum triste, pelo menos, não do jeito convencional. O que há aqui é uma série de reflexões que, se não são felizes e radiantes, dão conta de uma forma justa, bem humorada e legítima de viver, na qual não há pressão por juventude, vigor excessivo e descoletagem total. É como se Cole dissesse pra gente que dá pra fazer o melhor com o que temos e podemos e f***-se quem disser o contrário ou desdenhe de nós. E ele faz isso sem qualquer traço de auto-ajuda, o segredo está todo nas canções.

 

 

Assim como “Guesswork”, seu disco de 2019 – que a gente resenhou aqui – “On Pain” é um trabalho que poderia ser classificado como synthpop. Cole imprimiu sua marca no estilo ao longo dos últimos anos e vem depurando este traço identitário. O que ouvimos em vários momentos ao longo do álbum é uma música inteligente, tristonha e elegante, com timbres que privilegiam o silêncio e moods calmos. Ao mesmo tempo, há espaço para que arranjos e traços que lembram outros momentos da carreira de Cole venham à tona, ou seja, há muito de Commotions e de Prefab Sprout, outro grupo genial, contemporâneo dos anos 1980. “Warm By Fire” é um exemplo clássico desta estética mais próxima do pop rock convencional alternativo, soando como uma cruza entre essas influências e o Tom Petty daquela década, funcionando às mil maravilhas e como uma discreta exceção em relação às outras canções. E, como uma exceção que confirma a regra, o restante vem em bloco: “I Can Hear Everything” é bela e com pinceladas de synths e climas que vão se erguendo, mesmo que surja um fitro na voz de Cole, contribuindo para um toque de estranheza em meio ao todo.

 

 

A faixa-título, que também abre o álbum, é toda clima e insinuação, com um arranjo que soa como se derretesse lentamente um iceberg de gelos eternos. A beleza da melodia segue o caminho, embebida pela letra e pelos synths. Duas faixas, entretanto, soam como os grandes momentos do álbum: “The Idiot”, que recria os passos de David Bowie e Iggy Pop na Berlim da segunda metade dos anos 1970, totalmente embebida nos climas dos synths, mas que carrega, ao mesmo tempo, um elemento pop inegável, que funciona até para quem não tem as informações sobre a parceria dos dois ícones naquele tempo. A outra maravilha sonora presente aqui é “Wolves”, que seria o equivalente ao que as pessoas chamam de “épico” nos dias de hoje, em termos de Lloyd Cole: teclados que vão sumindo enquanto uma melodia angelical surge do nada e toma conta do recinto, permeada por vocais etéreos.

 

 

Lloyd Cole sempre foi um cara que desprezou convenções e procurou os caminhos mais tortuosos em sua carreira. Quase sempre ele se saiu muito bem e este álbum é mais uma prova de sua habilidade em criar seus próprios espaços, dialogando com sutilezas e elegância. Como eu disse, “On Pain” é mais um “pequeno grande disco” que ele lança.

 

Ouça primeiro: “Wolves”, “The Idiot”, “Warm By The Fire”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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