RIP, Schiavon – 15 Canções Não Tão Óbvias do RPM

 

 

Hoje recebemos a notícia da morte de Luiz Schiavon, tecladista e fundador do RPM, aos 64 anos. Álém de ser precoce, é uma perda enorme para a música brasileira, uma vez que Schiavon foi um dos grandes nomes – talvez o maior – da inserção do sintetizador nas paradas pop dos anos 1980 em diante. Ele não foi exatamente o pioneiro, mas estava neste momento peculiar do tempo, no qual o instrumento de teclas se uniu à produção em escala cada vez mais massificada. A bordo do RPM, grupo que ele fundou em 1983, Schiavon assumiu condição de protagonista criativo, elaborando o conceito da banda e seu direcionamento musical.

 

 

Com a chegada do vocalista Paulo Ricardo, um ano depois – que também assumiria o baixo – e mais as presenças de Fernando Deluqui e Paulo Pagni, na guitarra e na bateria, o RPM iniciou sua produção de canções, que resultaria num bom contrato com a CBS e num álbum, que se chamou “Revoluções Por Minuto”, lançado em 1985. É possível dizer que o quarteto se tornou, ainda que por cerca de um ano e pouco, a banda mais importante do Brasil em termos de execução e vendas de discos. Isso se devia à figura de Paulo Ricardo, que inseria doses generosas de sensualidade em suas interpretações e, sim, à qualidade das canções apresentadas. Deste primeiro trabalho, o grupo cravou seis singles nas paradas, “Louras Geladas”, “Rádio Pirata”, “A Cruz e a Espada”, “Olhar 43”, “Revoluções Por Minuto” e “Juvenília”, que tocaram em todas as rádios e programas de auditório do país entre março de 1985 e todo o ano de 1986. A instabilidade econômica do Brasil à época, materializada pelo Plano Cruzado, turbinou as vendas deste primeiro álbum e assegurou o lançamento do segundo, “Rádio Pirata – Ao Vivo”, que saiu no fim de 1986.

 

 

Com este disco ao vivo, o RPM tapava a lacuna da demanda por mais canções do grupo, que, exausto após turnês subsequentes por dois anos, estava esgotado e à beira do fim por conta dos desentendimentos internos. Ainda que parecesse uma usina de sucessos imparável, o RPM era palco de disputas criativas, sempre com Paulo Ricardo desejando inserir mais elementos roqueiros e Schiavon pendendo a balança para os timbres derivados do tecnopop e do new romantic, então vigentes na produção pop anglo-americana. Mesmo assim, a presença de covers de Caetano Veloso – “London, London” – e Secos & Molhados – “Flores Astrais” – no álbum ao vivo, além de um dueto com Milton Nascimento em “Feito Nós”, single de 1987, mostrava que a banda tinha mais do que o desejo simples pelo sucesso.

 

 

Foi preciso muito poder de convencimento para a CBS recolocar o RPM em estúdio para a gravação do terceiro álbum. Ofertas de discos solo dos participantes, mixagem em Los Angeles, orçamento polpudo liberado, tudo foi colocado na mesa para que o grupo entregasse mais uma fornada de possíveis hits. Talvez os conflitos internos, talvez uma mudança de perspectiva, talvez o espírito daquele 1988, no qual a lambada já surgia como uma alternativa viável para o público jovem, sabe-se lá. O fato é que o novo álbum, intitulado simplesmente “RPM”, veio muito mais profundo e “difícil” em relação aos dois discos anteriores. A preocupação estética da banda com arranjos, timbres e letras afastava o álbum do sucesso almejado, ainda que canções como “Partners”, “Um Caso de Amor Assim” e “Quatro Coiotes” tenham tocado medianamente nas rádios. É uma pena, pois este álbum tem detalhes interessantes e excêntricos, como a presença de Bezerra da Silva em “O Teu Futuro Espelha Essa Grandeza”. Poucos meses depois do lançamento o RPM encerrou as atividades.

 

 

Nos anos seguintes, até a semana passada, quando lançou o fraquíssimo single “Liberdade”, o RPM veio e foi, em diferentes encarnações. Na mais importante delas, em 2002, a banda gravou um disco ao vivo para a MTV, além de canções inéditas, entre elas, “Vida Real”, que se tornou o insuportável tema do não menos insuportável Big Brother Brasil. Alguns discos foram lançados, shows e apresentações aconteceram, além de mais e mais disputas judiciais entre os integrantes da banda. Nada do que foi feito depois de 1988 vale a pena ser considerado seriamente na antologia da banda.

 

 

Luiz Schiavon também trabalhou em trilhas sonoras para a TV, como as das novelas “Rei do Gado”, “Terra Nostra” e “Esperança”, para as quais também escreveu canções originais, além de selecionar músicas que fizeram parte das tramas. De 2004 a 2010, foi diretor musical do programa “Domingão do Faustão”, interagindo frequentemente, ao vivo, com o apresentador do programa de auditório.

 

 

Deixamos abaixo quinze canções que estão nos três primeiros álbuns, além da parceria com Milton Nascimento, “Feito Nós”. Elas compõem um painel pouco óbvio da banda, mostrando que, mesmo nos álbuns pautados pelo sucesso radiofônico, existiam canções peculiares e bacanudas.

 

 

 

– Flores Astrais – cover da canção dos Secos & Molhados, apresentou muito fã oitentista ao trabalho do grupo setentista. Presente em “Rádio Pirata – Ao Vivo”.

 

– Olhar 43 – um dos grandes, enormes sucessos do grupo, famoso pelos timbres de teclados e pela performance afetadíssima de Paulo Ricardo. Do primeiro álbum.

 

– Um Caso de Amor Assim – pequeno sucesso do terceiro disco, com uma pegada meio light funk de FM setentista e uma boa letra de Paulo Ricardo.

 

– Feito Nós – tal single com Milton Nascimento não fez o sucesso que era esperado, mas entrou para a história como um “momento cult” do RPM.

 

– O Teu Futuro Espelha Essa Grandeza – a faixa do terceiro álbum que tem participação do sambista Bezerra da Silva é um dos momentos mais criativos e interessantes do RPM.

 

– Alvorada Voraz – o grande sucesso radiofônico do álbum ao vivo, esta era uma canção que ficou de fora do primeiro trabalho mas se tornou uma das marcas registradas do RPM.

 

– Estratégia do Caos – canção obscura do terceiro álbum, com um arranjo belo e lento, que começa com berimbau e deságua num groove tecnopop em total sintonia com seu tempo.

 

– Sob A Luz Do Sol – climática faixa do primeiro álbum, uma das poucas a não fazer sucesso nacional, ela tem um bom groove de baixo e bateria, com letra confessional.

 

– Partners – outro sucesso do terceiro disco, com arranjos interessantes para naipe de metais e uma levada de blues estilizado. Interessante.

 

– Quatro Coiotes – o primeiro single do álbum de 1988, com um arranjo curioso, que sustenta uma levada que lembra o Duran Duran fase “Notorious” e vocais intencionalmente soterrados na mixagem final. Os fãs levaram um susto quando a ouviram.

 

– Revoluções Por Minuto – a faixa-título do primeiro álbum, com letra de protesto e levada turbinada pelos vórtices de sintetizadores de Schiavon. Sucesso nacional.

 

– Naja – uma das canções inéditas do álbum ao vivo, teve execução moderada nas rádios e esconde um dos melhores momentos do grupo.

 

– Liberdade/Guerra Fria – nunca entendi o porquê desta canção não ter sido sucesso como várias outras do primeiro álbum. Seu arranjo é ótimo, alterna tecladeira pós-punk atualzinha e uns intervalos bombásticos e épicos.

 

– Juvenilia – o último sucesso do primeiro disco também tem letra preocupada e consciente com a condição do mundo àquela época. Uma das melhores canções da banda.

 

– A Cruz e a Espada – Remix – a “lentinha” do primeiro álbum é a nossa favorita, mas não a gravação que está nele, mas esta versão remix, com mais intervenções de sopros, que também foi ao ar nas rádios naquela época e que integrou a caixa “Revolução!”, lançada em 2008.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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