Jorge Drexler no Rio: “Quem celebra acerta”

 

 

O público do Rio de Janeiro, sem saber, foi convidado a uma festa múltipla na noite da última quinta-feira (22/9), com a apresentação de Jorge Drexler no Qualistage, na Barra da Tijuca, parte da turnê do disco Tinta y Tiempo, com canções compostas ao longo da pandemia. Celebração de aniversário do artista, no dia anterior – a plateia cantou parabéns –, mas também a comemoração pelas nove indicações ao Grammy latino e pelos trinta anos de lançamento de seu primeiro disco, La Luz Que Sabe Robar. “Eu não sou nostálgico. Mas quem celebra acerta”, afirmou.

 

O tom estava dado. Drexler conduziu o espetáculo com a maestria dos grandes, comentando suas criações, propondo momentos reflexivos, ora divertidos, chamando o povo para acompanhar o andamento da música batendo os pés no chão (em “Corazón Impar”), nas palmas (em “Cinturón Blanco”) e fazendo todos cantarem em vários momentos. Em “Me Haces Bien”, fez uma das reiteradas declarações de amor à cidade: “Você me faz bem”. O público parecia familiarizado com a obra do artista, acompanhando-o nos refrões em espanhol e na íntegra de suas canções mais conhecidas – “La Edad del Cielo”, “Inoportuna” e “Todo se Transforma”.

 

Acompanhado de uma banda de supertalentosos músicos – Borja Barrueta, na bateria, Meritxell Neddermann, nos teclados, Campi Campón, no baixo e na programação (também seu produtor), Javier Calequi, nas guitarras e direção, Alana Sinkey e Miryam Latrece, nos backing vocals –, tocou todas as dez músicas de Tinta y Tiempo, completando o repertório com composições marcantes de sua carreira, procurando percorrer gêneros variados.

 

Houve espaço para tudo. Na sessão mais intimista, tocou e cantou “Asilo” na guitarra, acompanhado somente da poderosa voz de Miryam Latrece, e “El Día que Estrenaste el Mundo”, dividindo os vocais (cheios de efeitos) com Meritxell Neddermann, um show à parte nos teclados. Em momento mais suingado, chamou Javier Calequi para levar o ritmo na guitarra e acompanhá-lo num improvável rap em inglês em “¡Oh, Algoritmo!”, no trecho originalmente gravado por sua parceira, a israelense Noga Erez.

 

Teve dance music, ao estilo house, em “Silencio”, com longas pausas para brincar com a plateia de silenciar tudo no ambiente. E teve até funk carioca! Sim, uma das indicações ao Grammy (Canção do Ano) é para “Tocarte”, composta em parceria com C.Tangana, produzida ao estilo do tamborzão marcante do gênero, mas que não empolgou tanto o público quanto deveria – a música é ótima!

 

Também não faltou grandeza e personalidade para falar sobre o contexto brasileiro. Quando a plateia puxou o coro de “Olê, olê, olá, Lula”, fez o L com mão e prometeu: “Já vou chegar aí. Sou um estrangeiro, mas tenho minha opinião”. Três canções depois, retomou o tema e se posicionou: “A gente foi à Pedra do Sal e percebe a ebulição histórica que o país está vivendo. É preciso pensar diferente e voltar a viver tempos de tolerância, para sair desse período escuro”.

 

Então contou que iria tocar algo novo, aprendido nos últimos quatro dias: “Sempre que quero dizer uma coisa importante com uma canção, descubro que o Chico Buarque já disse”. Foi a senha para emocionar o público com os versos de “Que tal um samba?”, single lançado esse ano por Chico, cuja letra fala de “espantar o tempo feio”, “sair do fundo do poço”, “desmantelar a força bruta”, “não com dinheiro, mas com cultura”. Drexler ainda se deu ao luxo de inserir versos de “Beleza Pura”, do amigo Caetano Veloso, como música incidental. E arrematou: “Quem conhece minhas músicas sabe como penso”. Mais claro, impossível. Trata-se de um criador artístico sensível, posicionado e reflexivo, seja nas letras ou nas escolhas da própria carreira.

 

No Bis, trouxe a banda para a frente do palco e cantou: “Vamos pensar que é um presente ser do todo apenas uma parte. E, como o inseto na flor, aprender a viver por amor à arte. Não confunda preço com valor: amor à arte”.

 

 

Drexler agora leva seu show para São Paulo (Vibra, sábado, 25/9) e Porto Alegre (Auditório Araújo Vianna, domingo, 26/9 – com ingressos esgotados – e terça, 27/9). Serão novas e importantes celebrações do mundo que queremos resgatar, embaladas pela genialidade desse uruguaio tão brasileiro.

 

 

Setlist do show (entre parênteses, os discos de origem e anos de lançamento; quando não informado, são canções de Tinta e Tiempo, 2022)

1. El Plan Maestro
2. Deseo (Eco, 2004)
3. Corazón Impar
4. Cinturón Blanco
5. Me Haces Bien (Sea, 2001)
6. Fusión (Eco, 2004)
7. Bendito Desconcierto
8. Inoportuna (12 Secundos de Oscuridad, 2006)
9. Era de Amar (La Luz que Sabe Robar, 1992)
10. ¡Oh, Algoritmo!
11. Salvapantallas (Eco, 2004)
12. Asilo (Salvavidas de Hielo, 2017)
13. Tinta y Tiempo
14. El Día que Estrenaste el Mundo
15. Que Tal um Samba? (versão para canção de Chico Buarque, 2022)
16. La Edad del Cielo (Frontera, 1999)
17. Duermevela
18. Movimiento (Salvavidas de Hielo, 2017)
19. Vento Sardo (Single, com Marisa Monte, 2021)
20. Tocarte
21. Telefonía (Salvavidas de Hielo, 2017)
22. Silencio (Salvavidas de Hielo, 2017)
23. La Guerrilla de la Concordia (Single, 2021)
24. La Luna de Rasquí (Bailar en la Cueva, 2014)
25. Todo se Transforma (Eco, 2004)
26. Amor al Arte

 

Foto: Ricardo Benevides

Ricardo Benevides

Ricardo Benevides é escritor e professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ e da FACHA. Doutor em Literatura Comparada (UERJ), também trabalhou como editor na Ediouro e na Editora Paz e Terra.

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