Gorillaz – Song Machine

 

Gênero: Eletrônico, alternativo, pop

Duração: 65 min
Faixas: 17
Produção: Damon Albarn
Gravadora: Parlophone

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

Quando o Gorillaz surgiu, há vinte inacreditáveis anos, parecia que ali estava a resposta final para a modernidade. Uma banda que não era banda, um som que procurava abraçar tudo e todos, como um Bug do Milênio às avessas e cheio de referências tão espertas que parecia durar pra sempre. Mas, como o tempo não perdoa, nem para, até o Gorillaz envelheceu ou melhor, ficou normal. Um álbum deles hoje em dia é a constatação de que o tempo passou, o otimismo se foi, o planeta está confuso e agonizante e que não é hora para muita celebração. E, claro, como Albarn e seus convidados sempre são pessoas conscientes e atentas, um trabalho pessimista do Gorillaz é algo estranho e fora de lugar. “Song Machine” não chega a ser urubulino, mas é um álbum fragmentado, com conceito afetado pela pandemia e com um grupo muito díspar de artistas e convidados, soando como aquela declaração de “presente” de Albarn em relação ao que acontece no mundo. Ou perdeu o encanto ou eu fiquei – ainda mais – chato.

 

O fato é que a ideia de Damon era lançar uma canção por mês ao longo de 2020 e, ao fim, juntá-las num álbum cheio. Com a covid-19, os planos foram modificados e as participações acabaram oscilando entre o ótimo e o estranho, com alguns casos inesperados, como a presença de artistas que se foram ao longo do ano. Exemplo claro disso é Tony Allen, baterista-mestre do afrobeat e colaborador de vários projetos anteriores de Albarn, que está presente em “How Far”, canção de encerramento do álbum e que faleceu no primeiro semestre, vítima de covid-19. Os convidados vão de Elton John a slowthai, de Robert “The Cure” Smith a Octavian, de Peter “New Order” Hook a Fatoumata Diawara, mostrando que há espaço para novo e velho, tradicional e contemporâneo, como era de se esperar. O escopo de possibilidades do Gorillaz se tornou algo tão amplo que, literalmente, qualquer colaboração, qualquer presença soa como “hum, ok, legal” sem muita emoção. Afinal, tudo pode, né?

 

Sendo assim, a gente fica na dependência do talento de Albarn para produzir, compor e gravar, bem como da malandragem do convidado em se encaixar na proposta e se divertir. Ao longo das 17 faixas – na versão de luxo do disco – há gente que se sai bem, outros nem tanto. Neste último time está Sir Elton John, cuja “The Pink Phantom” soa estranha, uma balada com pianos filtrados, vocais turbinados e um andamento que lembra vagamente “Bennie And The Jets”. Poderia ser bem melhor. Também nesta turma está Joan As A Police Woman, em “Simplicity”, que é truncada e sem brilho. “Severed Head”, com a Unknown Mortal Orchestra, é um desperdício do grupo neozelandês, responsável por algumas sonoridades muito bacanas dentro da psicodelia atual. “Pac-Man”, com o rapper ScHoolboy Q” também é tediosa, ainda que seja muito bem intencionada. Até a abertura com Robert Smith em “Strange Timez” poderia ser mais interessante.

 

Quando acerta a mão, no entanto, Damon Albarn vai em cheio no alvo. Beck brilha na funkeada “The Valley Of The Paganz”, enquanto St. Vincent dá um tom vapour wave a “Chalk Tablet Towers”, cheia de tecladinhos e baterias sintéticas, evocando uma tarde nos anos 1980 ideais. “Aries”, com Peter Hook, também é bem legal, ainda que lembre alguma coisa do She Wants Revenge, passa de ano com nota sete apenas pela maravilhosidade que é o baixão agudo de Hooky. E as grandes surpresas: “Friday 13th”, com Octavian e “Désolé”, com Fatoumata Diawara, que encerra uma levada aerodinâmica em meio a letra em francês e inglês, com ironia de sobra.

 

“Song Machine” é mais um caleidoscópio do Gorillaz, do jeito que Albarn e seus amigos sabem fazer. Com uma proposta tão conceitual e ambiciosa, tal formato colaborativo, abrangente e wannabe moderno está próximo do esgotamento e terminará por prejudicar eventuais boas composições.

 

 

Ouça primeiro: “The Valley Of The Paganz”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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