Dave Rowntree estreia solo com elegância e melancolia
Dave Rowntree – Radio Songs
38′, 10 faixas
(Cooking Vinyl)
Dave Rowntree concedeu, há alguns dias, uma entrevista a uma emissora de rádio inglesa sobre o lançamento de seu novo álbum, “Radio Songs”. Certa altura, mais pro fim do papo, a apresentadora perguntou sobre o Blur, banda da qual Dave é baterista há 35 anos e que se reunirá num show em Wembley neste ano. Ao ser questionado sobre o que teria mudado ao longo do tempo, ele não hesitou: “As canções que fazíamos quando éramos jovens, com vinte e poucos anos, atacavam pessoas por terem casas no campo, fazerem jogging em torno do Hyde Park e terem vidas banais. Hoje, nós somos essas pessoas. Essas canções teriam a gente como alvo” – disse, rindo. Esta pequena frase dá a medida do que é “Radio Songs”, um álbum que investiga a passagem do tempo, o envelhecimento pressentido e sentido, medido pela onipresença do rádio como elemento catalisador do que mais nos move – a música.
Dave não faz isso de forma convencional. Seu álbum tem dez faixas eletrônicas, nas quais a produção tem o objetivo nítido de oferecer ao ouvinte apenas o essencial em termos de arranjo. As linhas melódicas são preenchidas por synths, batidas secas e, via de regra, um ornamento pianístico, tecladístico ou de cordas acolá. E, coroando este desenho, a voz canto-falada do homem, amarrando tudo como deve ser, um compêndio de reflexões e reminiscências sobre envelhecer. Hoje, com 58 anos, Dave está 34 anos no futuro de quando fornecia as batidas para canções como “Country House” ou “Parklife”, crônicas de um tempo que se confirmou, pelo menos nas suas piores previsões. A mediocridade suposta lá atrás e confirmada hoje é certeza entendida com certo humor tristonho. Este é o tom de “Radio Songs”.
Dave é compositor de cinema e TV, podcaster, piloto de aeronave leve (e instrutor), advogado, ex-vereador trabalhista, mas não é, exatamente, um cantor. Acostumado a fazer vocais de apoio no Blur, este “Radio Songs” é sua estreia como artista solo no formato pop-rock. Ele se sai bem, com este conceito nostálgico implícito e, sobretudo nos arranjos e concepções das canções. O disco escapa gloriosamente da monotonia e oferece vários momentos bacanas que, muitas vezes, se conectam com sutilezas do repertório menos óbvio do Blur. Por exemplo, há ecos confirmados da antiga banda em canções como “Machines Like Me”, que poderia figurar em “Think Tank”, de 2004 ou mesmo no último lançamento do Blur, “The Magic Whip”, de 2016. Ou em “London Bridge”, que tem uma batida new wave e vocais soterrados em meio a efeitos e climas sintéticos.
A abertura com “Devil’s Island” mistura vocais infantis, batidas intrincadas e efeitos acústicos, todos servindo como moldura para a voz monocórdica de Dave, que percorre o espaço como quem entra numa caverna com uma lanterna. A melancolia já perpassa “Downtown”, que soa atemporal em meio a pianos fantasmagóricos e um belo arranjo que faz com que o ouvinte queira mergulhar na sonoridade. “Tape Measure” é cheia de samples, tem também a aura do Blur mais eletrônico e experimental, cheia de vocais femininos que surgem como sons da natureza daqui e de lá. E também temos “1000 Miles”, outro momento tristonho e contemplativo, com letra falando sobre distância do que mais se gosta – a pessoa amada, a casa…
Dave Rowntree oferece com “Radio Songs” um trabalho elegantíssimo, cheio de nuances, que comunica as angústias de um homem de quase sessenta anos, lidando com o tempo em seu constante fluxo e de mão dupla. Ouça.
Ouça primeiro: “London Bridge”, “Machines Like Me”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.