Guilherme Held – Corpo Nós

 

Gênero: MPB, alternativo

Duração: 62 min.
Faixas: 17
Produção: Rômulo Froes, Guilherme Held
Gravadora: YB Music

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Estamos em 1973? 1974? Esta é a primeira pergunta que assalta a mente de quem se depara com “Tempo de Ouvir o Chão”, faixa inicial deste “Corpo Nós”, primeiro álbum de Guilherme Held. O guitarrista de Araçatuba é um desses discretos e onipresentes músicos que ajudam a moldar a sonoridade dos vários artistas, mais ou menos conhecidos, de uma cena. De Criolo a Rômulo Froes, de Lanny Gordin a Tulipa Ruiz. De Juçara Marçal a Ná Ozetti, ou seja, Guilherme é uma dessas figuras requisitadas nos meios alternativos paulistanos para revestir álbuns e faixas, executar conceitos e ajudar a dar a vários desses trabalhos uma relevância instrumental quase sempre exaltada. Fã de rock psicodélico, de jazz, de experimentações e discípulo de Lanny Gordin, Gui é um desses caras importantes nos subterrâneos, mas que chega agora e se depara com a luz do dia. Pra valer sua viagem, ele recrutou um time grande de colaboradores, que lhe dão voz, ajudam na produção, compõem letras, enfim, ajudam a criar um trabalho colaborativo, diversificado e denso. Não dá pra ouvir “Corpo Nós” de uma só vez e este talvez seja seu maior mérito.

 

Sim, porque Held não está interessado em música ligeira. Ou fácil. Ele se volta para um passado recente da música nacional – os anos 1970 – que está sendo redescoberto aos poucos e reavaliado, mas não é só isso. A partir deste recorte temporal, ele despeja sua criatividade atualíssima em vários climas de nuances, conferindo às faixas do álbum um tom multifacetado, que vai se alterando com as colaborações. É tudo muito bem feito, tocado e pensado, resultando num trabalho realmente bom e interessante. Longo para os padrões fugidios atuais, o álbum tem 17 canções e mais de uma hora. Sua diversidade de timbres e climas é tamanha que ele chega a parecer uma coletânea dessas de nomes interessantes de uma nova variação musical. A guitarra de Held, no entanto, é o fator que une todas essas variantes variáveis em sonoridade e tramas.

 

A tal impressão de estarmos no início dos anos 1970 chega por conta do aceno estético explícito à musicalidade mineira do “Clube da Esquina”, logo em “Tempo de Ouvir o Chão”, com voz de Juliana Perdigão. Calcada em Milton Nascimento e no Lô Borges do “disco do tênis”, a canção evoca aquela sonoridade interiorana pós-hippie, que tanto se tornou familiar ao longo dos anos 1970. Daí pra frente começa uma pequena parada de estilos correlatos da música nacional setentista. Tem pra todos os gostos e a aplicação de Held e seu time de convidados é nítida. “Pólvora”, é um rock psicodélico, letrada e cantada por Tulipa Ruiz, com participação do irmão, Gustavo. “Corpo Nós”, a canção, é uma outra belezura, em que o teclado de Dustan Gallas se destaca em timbres noturnos e contemplativos, em meio à voz de Juçara Marçal.

 

“Laço de Fita” e “Me Conta o Vento”, com Criolo e Curumin, respectivamente, são duas canções que trazem alguns timbres de pop/soul para a mistura de estilos. E o fazem bem, em diferentes níveis. Enquanto o rapper exagera um pouco na conversa da letra, Curumin dá um show vocal em falsete e traz algo que poderia ser de um contemporâneo de Hyldon ou Cassiano, lá por 1975. “O Que Eu Quero Ser”, com Felipe Catto e Fernando Catatau, também evoca as sonoridades mais noturnas de Milton Nascimento, soando até bem parecida com “Cais” ou “Dos Cruces”, só para ficarmos no parâmetro de canções do “Clube”. Logo em seguida, Rubel dá voz a uma das músicas mais belas do álbum, “Pra Bem Perto de Mim”, que poderia ser algo do repertório setentista de Erasmo Carlos, só que cantada à surdina. “Bem Maior que o Mundo” seria mais interessante sem os vocais de Péricles Cavalcanti e antecede o fecho do álbum, em que Held dueta com Lanny Gordin, numa canção psicodélica e sem formato definido, chamada “Pingo D’Água”.

 

“Corpo Nós” é um belo disco, cheio de facetas e que soa melhor quando oferece canções que, além das referências e estilos, honra certo parentesco com outra característica da boa música brasileira: a facilidade. Se ele é um disco complexo e denso, torna-se especialmente agradável nos momentos em que se torna inesquecível.

 

Ouça primeiro: “Tempo de Ouvir o Chão”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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