Glen Campbell feliz no palco

 

 

Ontem foi dia dos pais e uma postagem de Ashley Campbell me chamou a atenção. Ela é filha do grande e sensacional Glen Campbell, mitológico cantor americano, que morreu em 08 de agosto de 2017, aos 81 anos, vítima do Mal de Alzheimer. Por uma coincidência estranha de eventos, ontem, dia 08, foi o décimo aniversário da morte de minha mãe, tudo embolado num pacotão de sentimentos. Algumas interpretações de Campbell são tão marcantes que estão no inconsciente coletivo planetário desde o fim dos anos 1960, especialmente as que ele fez para canções de Jimmy Webb. Entre estas, as mais icônicas são “By The Time I Get To Phoenix” e “Wichita Lineman”, que também receberam versões maravilhosas ao longo destes anos.

 

 

Como nada é por acaso nesta vida, a lembrança de Ashley Campbell, emocionada pela saudade do pai, casa perfeitamente com o álbum ao vivo que chegou às prateleiras do mundo há alguns dias. “Glen Campbell – Live From The Troubadour”.

 

Como o título entrega, é um registro ao vivo, feito na famosa casa de espetáculos de Los Angeles, na qual os grandes e gigantescos ícones do rock mundial já se apresentaram, de Elton John a Carole King. Cambpell, mesmo não sendo um compositor, é um dos maiores cantores da história. Sua dicção era perfeita, seu jeitão de cowboy do asfalto virou até título de uma das ótimas canções de Webb, “Rhinestone Cowboy” e, bem, ao longo de uma carreira tão longa, Glen viveu altos e baixos, chegando a se transformar num cantor gospel lá pelo fim dos anos 1970, início dos anos 1980. Mas depois de tanto tempo, tantas idas e vindas, a carreira de Glen novamente alavancou em meados dos anos 2000 e ele gravou um álbum muito bacana, chamado “Meet Glen Campbell”, que, não só marcava a volta do homem ao um repertório secular após 14 anos do disco anterior, como vinha com a missão de apresentar o homem para uma nova geração de fãs.

 

A partir disso, Glen escolheu um repertório que trazia canções de bandas e artistas completamente fora de sua zona de segurança. Sintam o repertório: “Walls” e “Angel Dream” (Tom Petty); “Sing” (Travis), “Times Like These” (Foo Fighters), “These Days” (Jackson Browne), “Sadly Beautiful” (Paul Westerberg), “All I Want Is You” (U2), “Jesus” (Velvet Underground), “Good Riddance (Time of Your Life)” (Green Day) e “Grow Old with Me” (John Lennon). Na banda que o acompanhou durante as gravações, estavam grandes nomes do powerpop noventista, caso de Jason Falkner e Roger Manning Jr, ambos ex-Jellyfish, o que conferiu ao disco uma sonoridade muito bonita, toda projetada para atualizar a imagem musical de Glen, a exemplo do que Rick Rubin fizera já com Johnny Cash e com Neil Diamond em álbuns anteriores. Ou seja, a coisa deu tão certo que Glen saiu em turnê com esta banda, pousando no Troubadour para algumas apresentações. E uma delas, a última gravação ao vivo da carreira do cantor, chega agora na forma deste álbum ao vivo.

 

E o resultado é não menos que esplendoroso. Com fome de bola, renovado e ainda forte, Glen subiu ao palco com um sorriso technicolor, liderando essa mesma banda, com presença de sua família – filhos, filhas e esposa – nos instrumentos e vocais de apoio. Para delírio dos presentes, enfileirou todo o repertório de “Meet Glen Campbell” e ainda brindou os felizardos com versões sinceras e dilacerantes de cinco clássicos de sua carreira solo: “Galveston”, na qual enfiou um solo maravilhoso de guitarra (Glen é ótimo guitarrista); “Gentle On My Mind”, que pode ter sido inspiração para várias gravações de Roberto Carlos na virada dos anos 1960/70; “By The Time I Get To Phoenix” (também com um solo maravilhoso de guitarra); “Wichita Lineman” e o final apoteótico, com “Rhinestone Cowboy”, composta e encarnada por ele há tanto tempo, anunciada por ele como “uma das canções que mais gosto, ouvi hoje de manhã e quase bati o carro”. O público delira, com razão.

 

Depois dessa turnê de 2008, Glen trabalhou o quanto pode. Fez mais discos de inéditas – o ótimo “Ghost On Canvas” (de 2011, do qual participaram vários fãs famosos, como Chris Isaak, Billy Corgan e Brian Setzer) e os sentimentais e outonais “See You There” (2013), “I’ll Be Me” (2015, trilha sonora do documentário de mesmo nome) e “Adiós”, sua despedida, de 2017. Se você ainda não conhece, Glen Cambpell é um ícone americano, um cara que responde por um dos maiores legados musicais do século passado, sem exagero. Este novo álbum ao vivo vem se juntar com muita justiça a todos estes novos e velhos clássicos de sua carreira.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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