George Harrison há de pintar por aí

 

 

Hoje, dia 29 de novembro de 2021, completamos 20 anos sem que George Harrison esteja por aí. Quer dizer, deixa refazer. Esteja por aqui, neste plano. Porque, assim como o mistério na letra de “Esotérico”, George sempre há de pintar por aí. Não dá pra imaginar que o homem, 1/4 da maior banda de todos os tempos, artista peculiar, meio tímido, meio em outro plano, não esteja pairando sobre nós de tempos em tempos. Eu acredito que, sempre que ouço “All Those Years Ago”, por exemplo, George vem dar um “olá” para mim. É como se ele, de fato, tivesse adquirido um status diferente, uma outra forma de vida, sei lá.

 

 

Sim, porque, se compararmos George aos outros Beatles, ele não será o mito dos direitos dos trabalhadores, tampouco o workaholic abençoado com mãos perfeitas para a composição pop e muito menos o boa praça incondicional. George era o quieto, o discreto, o precoce. Parecia saber de coisas que ninguém mais sabia. Era o cara que esperava por sua oportunidade no grupo, que quase chegou a conseguir mas, quando era sua hora, a banda se esfacelou e, como compensação por esperar tanto, o destino lhe deu a honra de gravar o melhor álbum solo de um ex-Beatle, a saber, “All Things Must Pass”, de 1970. Nem John, nem Paul, nem Ringo conseguiram lançar um trabalho tão eloquente, belo, triste e verdadeiro. Talvez Lennon seja o que mais se aproximou desta condição com “Plastic Ono Band”, mas ainda acho que George leva o troféu.

 

 

Eu acho que George já estava meio fora dos Beatles desde a fase transcendental do grupo, a partir de 1966/67. Acho que ele se encontrou e foi, aos poucos, talvez sem perceber, saindo dos Beatles discretamente, silenciosamente, como era de seu costume. E enquanto não ia embora de vez, ainda era capaz de fazer coisas como “Something”, “Here Comes The Sun” e outras lindezas mais. E quando saiu, lançou-se no mundo como cara quieto que era. Só que era também boa pessoa. Dizem que era ótimo amigo, bom pai e bom companheiro. Sua carreira solo foi errática, certamente bem menos prolífica do que a gente gostaria. Lançou dez álbuns de material inédito e um duplo ao vivo, gravado em Tóquio, lá em 1992. Cada disco de George tem, pelo menos, umas três ou quatro maravilhas melódicas capazes de nos dar vontade de abraçar alguém próximo ou algo assim. A música de George irradia amor, mais que a de qualquer outro ex-Beatle. É como se fosse um filme da Disney sem as estratégias de mercado e cooptação de luta da Guerra Fria.

 

 

George era tão peculiar que solou numa versão de “Anna Júlia”, gravada por seu amigo Jim Capaldi, lá na virada do milênio. Ele desenvolveu um timbre de guitarra reconhecível a quilômetros de distância, manteve sua voz num timbre entre a de John e a de Paul, algo que parece perfeito. E é.

 

 

“All Those Years Ago”, canção que está no álbum “Somewhere In England”, de 1981, é minha preferida de sua autoria. Feita em memória de John Lennon, um ano depois de seu trágico assassinato, ela é um inventário de saudades e lembranças do amigo morto. Do companheiro de sonhos e, mesmo depois destes terem acabado, ainda valia a pena pensar positivo e acreditar no próximo. Eu não consigo separar George desta aura meio divina que ele – acho eu – emanava. Era um cara fabuloso, meu amigo sem nem saber. Só para manter minha esquisitice em relação ao que ele gravou em sua carreira – e sem desmerecer a lindeza de “All Things Must Pass”, eu simplesmente amo o seu solo de “Free As A Bird”, uma das duas canções gravadas pelos três Beatles em 1994/95. Com ajuda de seu amigo, Jeff Lynne, produtor dos álbuns duplos “Anthology”, George soltou suas seis cordas nesta gravação. E, como a maioria das pessoas (eu espero), eu não consigo ouvir “My Sweet Lord” sem chorar.

 

E como não amar “Give Me Love”, “Got My Mind Set On You”, “Blow Away”?

 

Saudades de George. Sempre.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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