Entrevista – Lô Borges
O que a gente vive hoje no Brasil é surreal, é inacreditavel – Lô Borges
O telefone dá dois toques e alguém atende:
– Alô!
– É o Lô Borges? – pergunto eu, já reconhecendo a voz do outro lado da linha.
– Aqui é o Lô Borges! Eu estou com uma obra aqui que está martelando a cabeça da gente. Daí eu ter marcado as entrevistas pra 16, 17 e 18h!
Assim começa a conversa com o cantor e compositor mineiro Lô Borges. Lançando seu novo disco “Rio da Lua”, já resenhado aqui na Célula, o homem não para. Batemos esse papo sobre sua carreira, juventude, música, Brasil e o que mais surgiu nessa meia-horinha. Vem ver.
– Contextualiza o Rio da Lua na sua carreira? Há algum outro álbum que se parece com ele?
Em 1994 eu gravei um disco chamado “Meu Filme”, que era só com voz, violão e percussão. O “Rio da Lua” começou assim, próximo disso. No meio do processo de composição eu senti falta de colocar uma banda tocando comigo e assim foi. Eu recebia as mensagens do Nélson Ângelo e, em menos de uma hora a música ficava pronta. Rápido igual às músicas do “disco do tênis”, quando eu fazia a melodia de manhã, a letra de tarde e gravava de noite, já valendo.
– Conta um pouco do processo de composição das canções e como surgiu essa parceria com o Nélson Ângelo, que acabou dominando o próprio disco.
Foi totalmente intuitivo e espontâneo, nós não imaginávamos que iria acontecer. Ele assistiu o meu show no Circo Voador, no Rio, e mandou uma letra de presente. Era o show comemorativo do “disco do tênis” e estavam presentes o Milton Nascimento e o Ronaldo Bastos. Todos se reuniram ali e não se viam há muitos anos. O Nelson ficou emocionado, mexido com aquela reunião e escreveu um texto pra mim, de presente. Este texto virou a letra de “Partimos”. Eu falei pra ele que tinha musicado as palavras e disse que ele podia mandar mais. Ele respondeu: – Vamos fazer várias.
– Como você vê a sua obra ao longo do tempo? Suas músicas envelheceram bem ou se tornaram atemporais?
Você falou uma coisa boa aí. Eu acho que minhas músicas são atemporais – os meus shows são frequentados por público de diversas faixas etárias, quase não tem gente da minha idade. Isso vai pegando de geração pra geração, do “Clube da Esquina”, do “disco do tênis”, a música vai ficando atemporal. Eu fico vendo as pessoas mais jovens irem aos shows – o pai passa pro filho – o avô passa pro neto……o Samuel Rosa (vocalista e guitarrista do Skank e parceiro e Lô) comenta que ele era um garoto e o pai dele aplicou o Clube da Esquina nele. isso vem acontecendo em vários lugares e tempos.
– Você é preocupado com essa coisa de envelhecer? O que você faz pra manter essa aparência de garoto?
Eu não faço nada de diferente pra ter um frescor de jovem aos 67 anos. Eu sei que aparento menos idade que eu tenho, acho que pode ser DNA, meus pais eram assim. Tenho muito orgulho da minha idade mas eu não perdi o fascínio pela composição, pela vontade de descobrir novas coisas, tô sempre querendo buscar novidades. Eu tava no reveillon de 1999 pra 2000 e pensei: “eu queria fazer o dobro de música que eu fiz no século passado” – e está acontecendo, to fazendo música direto, já to pensando no próximo disco. Tenho um interesse natural pela composição, quase uma compulsão. tenho compulsão pelo desconhecido e fazer música me ajuda.
– Cerca de 90% das suas canções são otimistas e acreditam na harmonia entre as pessoas. Como você está vendo esta época que estamos vivendo?
O meu caminho é contra a maré, contra esse pessimismo, essa coisa de que o tudo está se fodendo, que o Brasil, o mundo, Minas Gerais, estão todos se fodendo. Eu sei disso, é verdade, mas eu não preciso fazer com que a minha música faça parte disso. Eu me abstraio desse mundo difícil com a minha música; tá tudo difícil, ela é um antídoto pra isso. Fazer música, falar de coisas mais interessantes é melhor do que bater na tecla dessa realidade cruel, da qual não tem como fugir.
– Há cinco anos eu te entrevistei para o site Monkeybuzz e te perguntei sobre novas bandas e artistas. Você respondeu mencionando a injustiça gerada pelo monopólio da grande mídia e da indústria sobre os mecanismos de divulgação. Ainda está assim ou melhorou um pouco?
Acho que ainda está assim, o que está na mídia não é o mais bacana que acontece. Eu conheço muita coisa que pouca gente conhece, que é bem mais legal do que o que todo mundo conhece, do que todo mundo é obrigado a escutar no rádio, ver na TV. O mundo hoje é das pessoas que gostam de se aproveitar desse salto tecnológico – os oportunistas estão todos aí, com a boca aberta, e eles conseguem espaço. Tem que resistir a eles. Por outro lado, acho que hoje democratizou um pouco mais, mais artistas têm mais acesso, formam um público algo assim, devido à velocidade das mídias digitais.
– Depois de uma carreira longa e cheia de realizações, ainda há algo que você não tenha feito e deseja muito fazer? Um dueto, um disco em especial, um show…O que você ainda não fez?
Por enquanto eu não consigo pensar em nada que já não tenha feito. O que eu quero mesmo é continuar fazendo o que eu venho fazendo, resistir a este mundo estranho, fazendo músicas que acalmam o meu espírito, diante do mundo. Se este curso das coisas continuar correndo, os encontros e as realizações virão naturalmente.
– Há dois anos você fez um show sensacional de revisita de canções do “Disco do Tênis” e do “Clube da Esquina” no Circo Voador. Você tem planos para revisitar outras obras suas, como “Equatorial”, por exemplo?
Olha, tem um pessoal que achou tão legal a reconstrução do “tênis”, que falam “olha o ‘Via Láctea’ (disco de 1979), que tá fazendo 40 anos em 2019. Eu já estou tocando ele quase todo nos shows, posso dar uma visitada mais profunda nele, mas ainda não sei se isso vai acontecer, seria uma ótima.
– Quais os planos para divulgação do “Rio da Lua”? Você vai tocar no dia 29 de maio aqui no Rio e já tem outras datas agendadas?
A gente tá construindo a agenda pro lançamento nacional, e priorizamos shows em Belo Horizonte (03 de maio), Rio (29 de maio) e São Paulo (data ainda não definida) . Eu sempre começo por estas três cidades, que são onde está a maior parte do meu público.
– Uma pergunta política, mas nem tanto do ponto de vista partidário: vamos sair desse buraco em que estamos?
Olha, eu acho que tá tudo muito difícil, tudo acenando para uma coisa cada vez pior. O que a gente vive hoje no Brasil é surreal, é inacreditável, é tudo sem perspectiva de melhora. Eu não vejo como vai melhorar, mas não vou ficar chorando em casa, eu vou fazer alguma coisa, o que eu posso é cuidar bem da minha arte e da minha família.
Foto: Fábio Charchar
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
O meu álbum favorito do Lô Borges é “A via Láctea” que considero melhor até que o “Disco do Tênis”. Um show especial tocando na íntegra esse disco seria lindo