E segue o inventário dos Boogarins

 

 

Boogarins – Manchaca: A Compilation of Boogarins memories, demos and outtakes from Austin,TX Vol. 2

Gênero: Psiodélico, alternativo

Duração: 45:10
Faixas: 12
Produção: Boogarins
Gravadora: OAR

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Chega o segundo volume do inventário de sobras, recriações, gravações e apontamentos musicais dos goianos do Boogarins, realizados durante a gestação de seus últimos álbuns: “Sombrou Dúvida” (2019) e “Lá Vem A Morte” (2017). Foram sessões realizadas em Austin, Texas, entre 2016 e 2017, tempo em que a banda  morou por lá, fazendo shows e vivendo numa casa, de forma coletiva. O rock está cheio de casos de bandas que coexistiram em lugares específicos e se saíram com discos importantes em suas carreiras – Rolling Stones, Elton John, Led Zeppelin entre outros – e sempre tais experiências foram reveladoras do talento e/ou apontaram para novas fases em suas trajetórias. No caso do Boogarins, estes dois volumes de faixas e projetos colhidos lá fora, constituem uma bela passada de pente fino no processo criativo e já desperta a curiosidade para que banda será essa quando a normalidade voltar.

 

Sim, porque, além do barato de inventariar períodos e realizações, há uma  pandemia em curso, que deixará marcas profundas em todos nós. Os dois volumes de “Manchaca” já carregam em si esta noção de “álbuns de quarentena”, apontando para uma solução bem bacana do grupo para as questões provenientes do distanciamento e da suspensão de shows. Mesmo assim, há uma espécie de “terceiro volume” deste período, o registro ao vivo “Levitation Sessions”, colhido no ano passado, mostrando a banda em uma “live” remota, enfatizando o repertório dos dois Manchacas e algums outras canções da carreira. Ou seja, para o Boogarins, este tempo foi mesmo de recesso e dedicação à curadoria dessas canções já registradas, o que é bom. Interessante notar que os resultados dos dois álbuns “Manchaca” são distintos entre si, mostrando neste segundo volume uma fornada de gravações mais bem focadas e interessantes.

 

Há um conjunto de canções presentes aqui que são muito coesas e homogêneas. “Derramado” é a primeira delas, uma cacetada jiboiante sob o sol, que lembra um outtake nunca registrado por Lô Borges, mas que também esconde sombras do andamento de “Bennie And The Jets” (do Elton John safra 1973), ecos de Mutantes e de Flaming Lips, tudo misturado numa salada verde bem servida. “Eixão”, logo em seguida, é um sobrevôo da “novacap” nas asas de uma mariposa technicolor (apud Fito Paez, 1994) com o sol batendo às nossas costas. Em meio à melodia belíssima vem o verso atemporal “se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar”, vindo como citação, referência, passagem. “Você Sabe Muito” é a lindeza de uma canção quase torta, que parece ser consertada à medida que vai sendo executada pela banda – começa climática, esparsa, depois vai crescendo – evocando experimentos no jardim, numa estufa estranha.

 

Há mais dois momentos belos. “Supernova” é outro excerto do “Clube da Esquina”, com violas, violões e aquela preguiça de depois do almoço numa casa em alguma cidade pequena do interior para a qual fomos em busca de paz. Fechando o disco, o single em inglês, “Far And Safe”, com vocais da americana Erica Wennerstrom, confirmando a fluência do Boogarins na língua de Shakespeare, como uma banda com tonalidades psicodélicas fortes e bem delineadas influências de Mutantes e de várias formações sessentistas e contemporâneas.

 

Este “Manchaca: A Compilation of Boogarins memories, demos and outtakes from Austin,TX Vol. 2” é uma segunda parte digna e muito interessante deste período de reavaliação e reposicionamento do grupo goiano. Muitas nuances e tesouros escondidos por aqui.

 

Ouça primeiro: “Eixão”, “Derramado”, “Supernova”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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