A beleza perene das canções do Nada Surf
Nada Surf – Moon Mirror
44′, 11 faixas
(New West)
O Nada Surf é um trio que se equilibra no muro que separa a versão noventista do powerpop e o rock alternativo de guitarras americano daquele tempo. É uma dessas bandas que não tem trabalho ruim, estando todos os seus doze álbuns (inéditos, ao vivo, coletânea de lados-b) numa confortável prateleira de boas realizações. Em alguns pontos da trajetória – iniciada em 1992 – Mattew Caws, Daniel Lorca e Ira Elliott chegaram a altíssimos níveis de inspiração, especialmente em “Let Go” (2002), “The Weight Is A Gift” (2005) e em “Never Not Together” (2020), três discos redondíssimos, com ótimas canções. Um ponto positivo no identkit no Nada Surf é a atitude. Os três sujeitos são amigos, estão juntos há 32 anos. Quem tem ou teve banda sabe o quão difícil é manter produtiva e saudável uma relação desta natureza. Mas o que mais encanta no grupo é a sua absoluta despretensão pelo megaestrelato. As canções e tudo o que envolve a arte do Nada Surf passa, necessariamente, por uma existência que não pode ser contaminada por cotidianos opressivos e distorcidos. É vital que Caws, o letrista e pensador do grupo, tenha preservados os seus tiques e taques de vida normal, algo que possibilitará a percepção dos detalhes da existência, que formam o principal combustível das canções. Não é diferente com este belo “Moon Mirror”, o novo trabalho dos caras.
“Toda vez que fazemos um álbum, me perguntam (e eu me pergunto) do que se trata, do que iremos falar. Nunca sei como responder a essa pergunta. Ainda estou tentando entender algumas coisas, e isso é provavelmente o mais próximo de um tema que existe. Olhando para trás ao longo dos anos, sei do que nossas músicas tratam em teoria: tentar alcançar a aceitação (das circunstâncias, de si mesmo, dos outros), conexão, uma busca constante por possibilidade e pelo lado bom, disposição para mudar, perdão, curiosidade, conferir a própria mortalidade, motivações e julgamentos, etc. Mas no momento de criar um, não tenho ideia do que estou fazendo e talvez isso esteja tudo bem. Estou apenas tentando ser honesto comigo mesmo e dar o meu melhor palpite para dar sentido ao mundo.”
Estas aspas são do próprio Matthew Caws sobre um hipotético tema central em “Moon Mirror”. Pode não haver algo específico, mas, de fato, as canções do Nada Surf têm um apelo humanista e benigno característico. Um de seus maiores hits, “Concrete Bed”, do longínquo ano de 2002, já dizia no refrão: “Para ser amado por alguém, é preciso que você se ame”. Pode parece papo de coach motivacional, mas não. É um real conselho e um real ponto de vista que a banda expressa e esta atitude vem até hoje. Caws declarou em entrevista, ao ser perguntado sobre o que o inspirava a compor, que situações elementares como “a casa vazia de manhã” ou “a sala de estar ocupada apenas pelos instrumentos dispostos” eram inspiradoras. E que havia perdido a mão para fazer canções sobre romance, pelo menos do jeito que todo mundo escreve. Desde que esta casado com Emily Bidwell, de 2016 para cá. Essa postura bom-mocista jamais chega próxima do tédio porque Caws, Lorca e Elliott têm a manha para construção de convincentes molduras sonoras de guitarras e sem qualquer frescura. Com o tempo, adquiriram um equilíbrio entre barulho e melodia que lembra um pouco do Teenage Fanclub no final da década de 1990, certamente um ótimo parâmetro.
Se o álbum anterior, “Never Not Together”, ainda que sensacional, passou meio despercebido por conta da pandemia, este novo trabalho tem tudo para reconduzir a banda para os palcos a que está acostumada. Tudo é próximo da perfeição sonora nas onze faixas e não há segredo – baixo, bateria, guitarra e alguns teclados dão espaço para que os vocais de Caws – dobrados – surjam em canções rock’n’roll atemporal com melodias lindas, refrãos ganchudos e tudo mais que a boa e velha escolha powerpop manda fazer. Em momentos como “In Front Of Me Now”, “New Propeller”, “Intel And Dreams”, a lindeza é total e faz a gente ir procurar a letra, não só para entender significados ocultos, mas para aprender e cantar junto. Tudo é feito com aquele ar de simplicidade absoluta que esconde uma enorme e espontânea maestria para com as estruturas básicas da canção, a saber, melodia, arranjo e vocais, sem falar na produção, que é perfeitinha, a cargo da própria banda. De vez em quando, como em “Open Seas”, surge uma faixa mais rapidinha, mais enguitarrada, com vocais perfeitos e tudo em cima.
Ouvir “Moon Mirror” é fácil, especialmente se você é daquela pessoas que sentem falta do Teenage Fanclub e de tantas outras bandas que brincaram nessa interseção powerpop/rock alternativo de guitarras. E olha que são muitas. O Nada Surf é membro honrado dessa prateleira, incapaz de desapontar quem ouve. Escolha a sua preferida e vá em frente.
Ouça primeiro: “In Front Of Me Now”, “New Propeller”, “Intel And Dreams”, “Open Seas”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.