Mais alternativas bacanas para o country
MJ Lenderman – Manning Fireworks
39′, 9 faixas
(Anti)
Why Bonnie – Wish On The Bone
35′, 11 faixas
(Fire Talk)
Quando estávamos lá na virada do milênio – e, vá lá, uns dois, três anos antes – era altamente revolucionário “modificar o country”. Pelo menos para nós, quase-trintões naquele tempo, que pensávamos ser sensacional mexer com um estilo tão americanamente clássico – e careta – e torná-lo mais próximo, mais rock. Ser “mais rock” era o grande objetivo a ser alcançado então. Divagações à parte, o que grupos como Wilco, Whiskeytown e Jayhawks, bandas que amávamos, faziam era country alternativo. Mudar os parâmetros do country, misturar com punk rock e fazer “algo novo”. Parecia difícil, parecia sensacional. O tempo passou, o mundo girou cada vez mais rápido e, hoje em dia, qualquer um “muda o country”. De velhos tradicionalistas do estilo, como o próprio Willie Nelson, a novatos sensacionais como Orville Peck, a artistas jovens que expandem as fronteiras, como Kacey Musgraves, sem falar em gente que não é do métier, mas que se arrisca, como Beyoncé em seu último trabalho, “Cowboy Carter”. O fato é que cresceu exponencialmente o número de bandas, cantores e cantoras interessados na sonoridade e no imaginário do country e isso é bom. Dentro deste fluxo contínuo de novos associados e apreciadores, vamos destacar dois: o guitarrista da Carolina do Norte, MJ Lenderman e o grupo Why Bonnie, do Texas. Ambos lançaram ótimos álbuns, que mostram como é possível fazer maravilhas dentro deste terreiro.
Mark Jakob “MJ” Lenderman, é um sujeito de 25 anos. Nasceu no mesmo ano em que “Summerteeth”, o terceiro álbum do Wilco, foi lançado. Este sensacional “Manning Fireworks” é seu quinto trabalho e, de longe, o melhor. E olha que os anteriores também são bem interessantes, visto que MJ é um guitar hero. Sim, uma espécie em extinção nos dias pavimentados de hoje. Ele não é um chato, daqueles que tocam rapidíssimo o maior número de notas possível, pelo contrário. Ele é herdeiro da tradição imaculada de gente como Duane Allman e Rich Robinson, daquela maneira esclarecida e elegante de tocar, adornando composições que deixam espaço para a guitarra de forma natural. Mas MJ tem um estilo próprio, pessoal, que remonta muito ao alt.country da virada do milênio, especialmente por conta das canções que ele compõe e grava. Tudo aqui é melódico, espontâneo e descolado, na medida certa. As nove canções que compõem o disco são interligadas por este espírito informal, como se um amigo te contasse as boas novas. E, no meio delas, há uma sequência matadora: “Rudolph”, talvez o momento mais country do álbum, tem slide guitar e uma melodia grudenta, maravilhosa. “Wristwatch”, minha preferida do disco, é uma canção do Jayhawks contrabandeada pelo tempo e o espaço. Tudo lindo, perfeito, um solo devastador nos minutos finais. E, se o negócio é solo, “She’s Leaving You” é um colosso sentimental e amoroso sobre o amor que se vai, com guitarradas cortantes no fim.
Se MJ reencarna essa mitológica figura do guitar hero, Why Bonnie soa como uma banda bacana do início dos anos 2000, não exatamente country, mas que brincava na mesma creche: Rilo Kiley. Blair Howerton, a vocalista, guitarrista e cérebro do grupo, não é como a vocalista do RK, Jenny Lewis, mas tem um charme todo especial, além de uma mão abençoada pelos grandes deuses da canção. Como compõe e arranja bem. Assim como MJ, o Why Bonnie já tem algum tempo de estrada, este “Wish On The Bone” é seu segundo álbum, sucedendo “90 In November”, lançado em 2022, e um punhado de EPs. Além de Blair, a banda conta com Chance Williams, Josh Malett e Jonathan Schenke, que também produziu. O som que o Why Bonnie faz é mais “moderno” que o perpetrado por MJ Lenderman, bem como bastante diferente. Há influências de shoegaze, rock alternativo de guitarras dos anos 1990 e 2000, bem como um charme personalíssimo, vindo diretamente do encontro entre os vocais sofridos de Blair e suas melodias que também têm um fraco pela fluência que as canções californianas do Fleetwood Mac costumavam ter. Este é o primeiro ponto de interseção entre o Why Bonnie e o Rilo Kiley, ambas formações tributária desta lindeza que era o Mac. Mas, enquanto o RK – e depois Jenny Lweis solo – investia numa trajetória que buscava um lugar no midstream mais radiofônico, o Why Bonnie não tem essa preocupação. Tudo aqui tem uma adorável afeição pelas sonoridades mais, digamos, indomáveis, ainda que, como dissemos, o amor à melodia seja a tônica.
Como resistir a canções lindas como “Dotted Line”, fluente na improvável interseção Mac/shoegaze ou a faixa-título, que parece cortar o ar com uma lindeza amuada? Esta lindeza tristonha e vulnerável também habita a linda “Rhyme Or Reason” e a adorável “Fake Out”, com um riff fofinho de escaleta que lembra demais o indie rock do início dos anos 2000. E em “Headlight Sun”, Blair deixa claro o talento vocal que tem para interpretar esse tipo bem peculiar de canção, uma quase-balada, dilacerada, com guitarras, rodopios melódicos e uma grande evocação de saudade por algo ou alguém que já não está mais lá.
Tanto MJ Lenderman quanto o pessoal do Why Bonnie têm talento de sobra para mexer com estruturas como as do country, a tal ponto que fica difícil, depois de ouvir seus novos álbuns, falar no velho estilo americano. Tudo foi modificado, adaptado, ressignificado, mas a essência está lá. Seja como saudade, como lindeza nos vocais ou num solo de guitarra que se desfaz. Dois belíssimos trabalhos.
Ouça primeiro:
MJ Lenderman – Manning Fireworks: “Rudolph”, “Wristwear”, “She’s Leaving You”
Why Bonnie – Wish On The Bone: “Wish On The Bone”, “Dotted Line”, “Fake Out”, “Green Things”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.