A sensacional trilha sonora de “Challengers”

 

 

Eu ainda não vi “Challengers”, o mais novo longa do diretor italiano Luca Guadangno, mas sei algumas coisas sobre ele, que me motivam a vê-lo. Zendaya interpreta Tashi Duncan, uma ex-tenista que virou treinadora que se diverte mais tratando como marionetes seus dois pretendentes, melhores amigos que viraram rivais no esporte: Art Donaldson (Mike Faist) e Patrick Zweig (Josh O’Connor). Depois de atraí-los para um beijo triplo na cena do quarto de hotel que você aparece no trailer, ela se recosta e observa com um sorriso enquanto eles se beijam, então diz que dará o número dela para quem vencer o torneio do dia seguinte. É tudo o que eu sei, sem spoilers. E sei que a trilha sonora é mais uma a surgir da lavra de Trente Reznor e Atticus Ross. Desde 2016 que Ross foi “efetivado” no Nine Inch Nails, a banda-de-um-homem-só na qual Reznor exercita sua música violenta, estranha, perfeccionista e muito bem sucedida. E me arrisco a dizer que esta trilha é a melhor que já fizeram juntos, superando, inclusive, os dois Oscars que levaram: “A Rede Social” (2010) e “Soul” (2020).

 

A dupla deu declaraçõs legais sobre trabalhar no cinema, louvando o fato de que não têm como manter todas as decisões, precisando incluir também o diretor. É engraçado ver como Trent se tornou um cara totalmente aceito pela indústria do entrentenimento, logo ele que, há cerca de trinta anos, completamente falido, gravava fitas-demo num estúdio em que trabalhava como faxineiro. Mais engraçado ainda é ver que um cara que compôs um verso como “I wanna fuck you like a animal” acabou produzindo uma trilha sonora para um longa da Disney sobre imortalidade e destino. Mas tudo bem. Trent fez por merecer e a presença de Ross deu início a uma parceria criativa que já tem mais de vinte anos (quatorze apenas no cinema).

 

“Challengers” tem recebido adjetivos como “quente”, “sexy”, mas quase não há sexo de verdade nele. A carga erótica vem principalmente da personagem de Zendaya e do poder que ela tem sobre esses dois homens, dentro e fora da quadra de tênis. O slogan do filme poderia ter saído diretamente de “Head Like a Hole”, sucesso do Nine Inch Nails do distante ano de 1989: “Curve-se diante daquele a quem você serve”.

 

A trilha sonora de “Challengers” é um banquete sonoro. Ela foi concebida do jeito que é após sugestão do próprio diretor Guadagno, que queria “uma trilha eletrônica para os personagens se sentirem bem” dentro do filme. O resultado é um eficiente e aerodinâmico som techno com influências que vão do eletroclash (“Yeah x10”) ao synth-pop, sempre com apelo rápido e certeiro. Cada faixa parece um exercício bem executado dentro de um gênero, mas com a assinatura sonora inconfundível de Reznor e Ross, especialmente na forma como instrumentos como piano e guitarra se encaixam perfeitamente com sintetizadores e baterias eletrônicas. Não por acaso, toda resenha que li sobre “Challengers” elogiou muito a música do filme e a colocou naquela posição em que “é parte integrante da trama” ou “sem ela o longa não seria o mesmo”, o que é um baita elogio. E “Challengers tem um detalhe importante: mesmo bacanudas, as trilhas sonoras anteriores de Ross e Reznor nunca funcionaram como álbuns fora do contexto de seus respectivos filmes. A música de “Challengers” se sustenta sozinha melhor do que qualquer outra trilha da dupla.

 

Ross e Reznor ainda quiseram, digamos, “amplificar a experiência do ouvinte”, e chamaram o DJ e produtor alemão Boys Noize para criar uma versão mixada (e remixada) complementar da trilha sonora. A variação drástica de ritmo é impressionante e o resultado são 28 minutos totalmente coerentes, perfeitinhos e lógicos de músicas animadas, salpicadas de samples de raquetes batendo e tênis chiando na quadra de saibro. O mix de Boys Noize costura tudo em um arco suave e dinâmico, entregando uma versão bem mais interessante de “Compress / Repress”, por exemplo. Esta canção co-escrita com Guadagnino e cantada por Reznor, é um exemplo raríssimo dele cumprindo ordens de outro artista. Como tema de filme, funciona. Como faixa do Nine Inch Nails, seria um pouco sem graça.

 

 

Ainda não vi “Challengers” mas já conferi as duas versões da trilha. A primeira, forma, é ótima. A segunda, em forma de DJ set, é praticamente perfeita. Ouça, confira, veja o filme, cinema é maior diversão, cinema é cultura etc.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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