Dent May e o pop à moda antiga

 

 

 

 

Dent May – What’s For Breakfast
36′, 12 faixas
(Carpark)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Responda rápido: o que você considera pop music hoje em dia? Muita gente dirá que é o som eletrônico, hip-hopesco, saturado de efeitos, batidas e filtros que artistas como Beyoncé e similares executam, certo? Outros poderão dizer que é a canção com menos efeitos, menos tiques e taques de estúdio, feita por, sei lá, Harry Styles. Certo também. O parâmetro de canção pop varia de tempos em tempos e pode se transformar totalmente de uma época para outra. Veja, por exemplo, a sonoridade que faz o cantor, compositor e produtor americano Dent May. Canções pop-rock, com guitarras, teclados, batidas simples, vocais harmoniosos e justapostos, tudo soando como se fossem rascunhos de gente como Hall And Oates, produzidas a partir do mínimo de infraestrutura técnica. Não à toa, o que Dent faz é conhecido como “bedroom pop”, o “pop feito no quarto”, com recursos providos por um computador e canções nas quais todos os instrumentos são tocados por ele. Bingo. É o que temos neste ótimo “What’s For Breakfast?”, novo trabalho do sujeito, que esconde algumas outras influências sutis.

 

 

Este é o sexto trabalho em mais de quinze anos de carreira, nos quais May vem forjando uma liga sonora que parece simples e meio “goofy”, como ele mesmo se assume. O termo poderia significar “pateta” ou “bobo”, mas tem mais a ver com ingenuidade e o significado disso em termos musicais. As correspondências nos levam a um tipo de canção que soa tributária de várias influências, indo num raio que compreende desde Carpenters, os Beach Boys dos anos 1970 e Captain And Tenille, chegando a Weezer, tudo sintetizado, empacotado e inserido num dispositivo de armazenamento estético no qual essas referências vão se tornando o combustível que impulsiona Dent e sua mente na confecção de canções. Tudo aqui é perfeitamente harmônico, bonito e bem feito e com zero abrasão. A música que May oferece é um exercício de linearidade pop, totalmente respeitável e que, uma vez beneficiada pelo avanço inexorável do tempo, soa como novidade para quem começou a ouvir música nos últimos anos.

 

 

Ou seja, nada do que está aqui é casual. Enquanto exercita esta visão retrô do pop, Dent apresenta novidade para um público potencialmente interessado em ótimas canções, com refrãos bem feitos, arranjos belos e tudo mais. Por mais que o tempo passe, sempre haverá gente interessada neste tipo de sonoridade, que também tem vínculo afetivo com os anos 1980, ou seja, é um combo de referências irresistíveis. De nada adiantaria tudo isso se Dent May não soubesse escrever boas canções, algo que, definitivamente, ele faz muito bem. Todas as faixas de “What’s For Breakfast” são cheias de pequenas surpresas melódicas e oferecem sensação de conforto para qualquer público, seja o pessoal que já ouvia este tipo de sonoridade há tempos, seja a turma mais novinha. E há momentos em que Dent chega ao topo de sua forma como compositor e cantor. Logo de cara, a abertura com “You Already Know”, impulsionada por uma guitarra simples, ganha ares de pequena obra prima em meio ao arranjo perfeitinho e à melodia elíptica, que roda gentil no espaço acima de nós.

 

 

“Keep Me In Mind” e “One Call, That’s All” são duas belezinhas opostas pelo vértice. A primeira é puro anos 1980, como se fosse um Hall And Oates adolescente e californiano, enquanto a segunda tem DNA no indie rock mais contemporâneo, propulsionada por outro refrão matador. “Heaven On Wheels” é uma semi-balada aerodinâmica com andamento em midtempo e melodia perfeitinha, abrindo caminho para a cadenciada “Time Flies When You’re Having Fun”, que poderia ser tocada na Disneylândia em 1978, com seu título de mensagem positiva e legal. Mas nem tudo é fofura e pulação na piscina. “Cactus Flower” é uma balada triste sobre amor não correspondido e tudo o que acontece quando amamos e somos desprezados, com sintetizadores reproduzindo em câmera lenta o andamento de várias canções queridas dos Beach Boys. Fechando o pacote, outra baladinha, dessa vez com violão dedilhado e letra de amizade e companheirismo – “Singing For My Super” – e a apoteose com “Let’s Take It From The Top”, que tem influências de Electric Light Orchestra, especialmente no uso dos efeitos vocais.

 

 

Este disco é uma lindeza ensolarada que espera a sua chegada e audição. Tem tudo o que é necessário para encantar e causar curiosidade no ouvinte, que se sentirá convidado a conhecer a carreira de Dent May imediatamente. Vale o passeio.

 

 

Ouça primeiro: “Let’s Take It From The Top”, “Cactus Flower”, “Time Flies When You’re Having Fun”, “Heaven On Wheels”.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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