O jazz rock retrofuturista do Mildlife volta a atacar

 

 

 

 

 

Mildlife – Chorus
45′, 7 faixas
(Heavenly)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Com este terceiro álbum, “Chorus”, dá pra cravar o seguinte: o Mildlife é uma das grandes, sensacionais bandas em atividade no mundo atualmente. Direto de Melbourne, o quarteto formado por Thomas Shanaham, Kevin McDowell, Jim Rindfleish e Adam Halliwell faz música que tem raízes fincadas no jazz rock dos anos 1970. Não só isso, tem muito a ver com aproximações que bandas de soul e funk fizeram em relação ao jazz-fusion daquele tempo. Você sabe, o “fusion” é a modalidade em que jazz e rock se aproximam, conversam, flertam e se arrumam. Não é fácil brincar nos terrenos desses estilos musicais setentistas e, ainda assim, soar totalmente vinculado com o tempo presente. Às vezes soa como se os sujeitos estivessem usando samples, mas, que nada. É tudo feito na hora, tocado no peito e na raça, com as melhores referências possíveis e disponíveis para quem se interessa. É justo o caso do Mildlife, que aproveita a liberdade e o acesso disponíveis hoje para brincar de idas e vindas no tempo, confeccionando uma liga sonora das mais respeitáveis. Repito: é uma das grandes bandas em atividade no planeta agora, hoje, já. E “Chorus” é a radiografia mais atualizada desse organismo musical tão exuberante.

 

Qualquer tentativa de isolar referências na obra do Mildlife é inútil. As misturebas e as fusões são o forte do quarteto, nada é o que parece ser totalmente. Tem sempre algum detalhe, alguma guitarrinha, uma percussão, algo que dê a certeza de que pesquisa, feeling e repertório variado são os alicerces da sonoridade da banda. E, a esta altura do campeonato, quando a música pop parece ser mais e mais simples e objetiva, é legal topar com algo complexo e sedutor como o que o Mildlife faz. Totalmente atrativo para velhuscos que conhecem as inspirações dos caras – Kool And The Gang, Azymuth, Chick Corea, Alan Parsons Project, entre outros, também totalmente interessante para quem está se aventurando agora nas sonoridades mais fora da curva, menos vinculadas ao baticum habitual das playlists mais óbvias. De 2017 para cá, são três discos – contando com esse – de estúdio e um registro ao vivo, “Live From South Channel Island”, de 2022, que foi extraído de um filme-concerto que o grupo registrou numa ilha ao sul da Austrália.

 

Se os primeiros trabalhos eram mais voltados para uma abordagem roqueira dessa fusão jazzística com funk, soul e o próprio rock, em “Chorus” o este quase não é visto ou notado, sendo substituído por pitadas generosas de música brasileira dos anos 1970, disco music e excentricidades aqui e ali. Uma audição em “Sunrise”, a terceira faixa do álbum, vai mostrar o caleidoscópio musical que temos aqui. Baixo funk que vai avançando em meio a guitarrinhas que parecem não se importar, até que engatam um chacundum funk de primeira grandeza, pavimentando vocais e harmoniosos. Até que, num determinado ponto, os sintetizadores entram e parecem derivações de “Summer Madness”, colosso instrumental do Kool And The Gang de 1974, verdadeiro alicerce funk-jazz de todo um braço da música pop bem informada feita desde então. Ao mesmo tempo que é nítida a referência, a canção tem vida própria, clima tropical colorido e uma organicidade de dar inveja. E veja que esta é apenas uma das sete faixas do álbum.

 

A quarta faixa, “Musica”, é uma disco-track espacial, com sintetizadores fazendo timbres do futuro do pretérito, devidamente inseridos na orquestra de uma nave espacial improvável. Enquanto a melodia avança, efeitos intencionalmente datados vão colocando o ouvinte nos trilhos. A faixa-título, com mais de nove minutos de duração, começa devagar e vai apresentando riffs, solos e ruídos meio desconexos de sintetizador e guitarra aditivados por pedais e efeitos estranhos e, no meio do caminho, o que parece desconexo vai ganhando coesão e groove. “Future Life” tem cara de faixa do Azymuth de 1977, totalmente propulsionada por synths datados e vocais tratados com filtros e efeitos. O final épico ocorre com “Return To Centaurus”, psicodélica até os nervos, cheia de vocais tratados artificialmente, se comunicando com influências que vão de Return To Forever a Pink Floyd, só que feito hoje, agora.

 

Mildlife é sensacional. Você precisa parar o que está fazendo agora e conferir o que estes sujeitos estão fazendo. O único medo é você não querer ouvir mais nada por um bom tempo. Caia dentro. “Chorus” é matador.

 

 

Ouça primeiro: “Sunrise”, “Return To Centaurus”, “Musica”, “Chorus”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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