High Llamas atualiza sonoridade em disco novo

 

 

 

 

High Llamas – Hey Panda

40′, 12 faixas

(Drag City)

 

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Poucas, pouquíssimas pessoas em atividade na música pop de hoje podem ser chamadas de “gênio” sem constrangimento ou exagero. O irlandês Sean O’Hagan é um deles. Dono de um estilo próprio, criador de uma sonoridade peculiar, que mistura Bossa Nova, Beach Boys fase “Smile”, Burt Bacharach, blips e blops sintetizados, devidamente filtrada por uma visão de futuro do pretérito, Sean iniciou sua carreira no ótimo Microdisney, ainda nos anos 1980. Depois montou os High Llamas e, a partir de 1992, foi aperfeiçoando esta visão estético-musical. No meio do caminho, Sean colaborou com o Stereolab, ajudando a trazer um pouco de suavidade ao som “de volta para o futuro” que o grupo anglo-francês praticava, mas, foi com os High Llamas que ele criou maravilhas impressionantes. Álbuns como “Hawaii”, “Cold And Bouncy” ou “Talahomi Way”, lançados sem pressa, entre 1992 e o presente, compõem uma impressionante obra, que precisa ser mais ouvida e reconhecida. O mais recente – e inesperado capítulo – desta trajetória chega agora, com “Hey Panda”.

 

 

A grande distinção deste novo trabalho em relação aos anteriores reside no fato de que, talvez pela primeira vez, O’Hagan abre espaço para uma nova influência em sua música, que se materializa no r&b e no hip-hop mais atuais. Não que ele não tenha colaborado com muita gente no passado, pelo contrário, Sean é influência até para gente como os brasileiros Kassin e Domenico Lancellotti, com os quais já produziu canções, ou mesmo com o vetusto Nick Cave, com quem também dividiu peripécias no estúdio. O fato é que a música feita por ele, um “avant-pop” do passado, parecia se bastar em sua complexidade e anormalidade temporais. Agora, com a inserção das batidas mais cadenciadas, dos vocais mais pop e dos timbres eletrônicos da vez, o resultado é uma sensação de que os High Llamas “estão no nosso tempo”. Não sei se é claro o bastante, mas é como tirar algo que é atemporal de sua condição e expor ao fluxo temporal “normal”. Sean trouxe sua música para o hoje, para o já. E se deu bem.

 

 

A influência do hip hop não vem de qualquer lugar. O’Hagan declarou em entrevistas a sua admiração pelo finado rapper J.Dilla, cuja música ele conheceu no início dos anos 2000 e, mais recentemente, reouviu com a filha, Livvy. O resultado disso e do próprio convívio na pandemia da covid-19, bem como o tratamento de um câncer de intestino, trouxe a música de Sean para uma realidade mais cotidiana, com uma vontade enorme de modificar suas estruturas. O resultado, “Hey Panda”, é um pequeno triunfo de mistura e reinvenção. De fato, a assinatura sonora dos High Llamas permanece inalterada, como grande elemento estético presente nas canções, porém, é inegável o approach mais arejado e a liberdade criativa proporcionada pela incorporação de vocais, batidas e timbres. Dá pra dizer que “Hey Panda” é um disco maravilhoso de ouvir e se surpreender, mesmo se você não for adepto dos Llamas.

 

 

Há vários momentos sensacionais. Duas colaborações com o ícone alternativo Bonnie Prince Billy – “How The Best Was Won”, meio setentista com batidinhas atuais e a jazzística “Hungriest Man”, acústica e permeada por programação de bateria intencionalmente datada. Uma parceria com o produtor britânico Fryars na soturna e climática “La Masse”, que oferece várias realidades paralelas, tamanha a quantidade de situações acontecendo ao mesmo tempo em seu arranjo, que vai construindo um clima de expectativa à medida que a melodia avança. Tem a belezura de colaboração com a cantora inglesa Rae Morris em “Sisters Friends”, que tem a doçura sonora característica dos High Llamas presente no arranjo inventivo. As preferidas da casa, no entanto, são a faixa-título, que abre o álbum e a lindeza que é “Fall Off The Mountain”, ambas executadas apenas por O’Hagan.

 

 

“Hey Panda” é uma lindeza inesperada. Tem melodia, inteligência, arranjo, superação, inovação e, claro, ótimas canções. Tem tudo o que devemos e queremos ouvir num álbum de alguém que amamos. Ouça.

 

Ouça primeiro: “Fall Off The Mountain”, “Hey Panda”, “Sisters Friends”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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