Daisy Jones & The Six: derivativa e sem graça
Daisy Jones & The Six, a nova série da Amazon, foi aguardada com grande expectativa, muito por conta de unir os admiradores de uma certa literatura pop que tem feito muito sucesso nos últimos anos – e o livro de 2019 de Taylor Jenkins Reid, no qual a produção se baseia, é um best-seller incontestável do gênero – e os amantes de música, principalmente da década de 1970, que queriam saber o quanto de Fleetwood Mac realmente existe na história da banda que implodiu no seu momento de maior sucesso graças às tensões emocionais entre seus integrantes. A verdade é que, além dessa frase, pouca coisa.
A história é a de uma banda de jovens tentando cavar seu espaço ao lado dos seus ídolos musicais, e você já viu um pedacinho dela no Quase Famosos (2000) de Cameron Crowe e em The Commitments (1991), de Alan Parker. Liderados pelo talentoso compositor Billy Dunne (Sam Claflin), os Six chegam a beliscar o sucesso, mas ficam pelo meio do caminho graças às fragilidades emocionais do seu mentor, enlevado pelos encantos da vida roqueira e arredio em assumir as responsabilidades das escolhas pessoais. É aí que entra Daisy Jones (Riley Keough, carismática, apesar da personagem), cantora-compositora iniciante, que pode representar a rara segunda chance na estrada para a glória.
O elenco é formado principalmente por coadjuvantes, sem muito espaço ou brilho em tela, com exceção de Claflin e Keough, e de Camila Morrone, que brilha em todas as cenas em que participa, e transforma sua personagem na coisa mais interessante em toda a série. É bem provável que você se pegue torcendo por ela ao longo dos episódios.
Uma outra personagem, a cantora de R&B e disco Simone Jackson (interpretada pela brasileira Nabiyah Be) também poderia render mais momentos interessantes, mas recebe pouco tempo de tela para desenvolver sua história. É uma pena, porque Simone (e Nabiyah) trazem mais frescor e autenticidade ao roteiro do que todo o resto dos Six juntos. Já Timothy Olyphant, o astro da série Justified, diverte como o diretor de turnês que dá dicas preciosas para os Six no início da carreira mas aparece igualmente pouco até pelo menos o meio da série.
Apesar de todo o investimento, criativo e financeiro, a série falha em construir um ambiente crível para os personagens e a música que eles produzem, o que é ainda mais doloroso quando consideramos que o cenário é um dos mais ricos para a música pop, em meados dos anos 70. Existe pouco contexto musical e cultural sobre a época em que a história se desenvolve, algumas músicas do período são tocadas brevemente em certas cenas, mas não chega a ser suficiente para estabelecer uma atmosfera crível. Os anos 1970 de Daisy Jones & The Six é algo meio plastificado, processado.
Aurora, o disco, o maior sucesso gravado pela banda, é, no livro e na tela, descrito como um grande álbum, clássico, transbordando belas canções e tensões roqueiras. Mas apesar do envolvimento de artistas como Marcus Mumford (do Mumford & Sons) e o veterano Jackson Browne nas composições das músicas originais do disco – que foi produzido por Blake Mills (do estupendo Sound & Color, do Alabama Shakes) e lançado oficialmente, como se tivesse existido, e pode ser ouvido em plataformas digitais – a música é bacana, mas não sustenta a mítica. Tirando talvez Let Me Down Easy e algumas harmonias vocais, a maior parte do material é agradável, porém esquecido a partir do próximo disco no qual você vai apertar play. Alias, os produtores lançaram uma bomba atômica no próprio pé ao escolherem como música de abertura para os episódios Dancing Barefoot, da Patti Smith, um trilhão de vezes mais memorável do que qualquer música fictícia dos Six.
Essa falta de substância musical se estende aos cenários e ao desenvolvimento dos personagens de apoio. Enquanto no livro acompanhamos o crescimento de Billy, Daisy e todo o grupo com detalhes, até a reunião para a gravação do primeiro single conjunto, na série o roteiro deixa tudo mais corrido, com muitas lacunas na história pessoal de cada um.
A maior prejudicada, sem dúvida, é a personagem de Daisy Jones. Uma artista promissora e talentosa no livro, com uma personalidade algo mística, uma imagem transfigurada de Stevie Nicks. Na série, por falta de bagagem, ela parece muitas vezes somente uma musicista arrogante e intrometida. Boa parte da história depende de que abracemos Daisy como essa pessoa ao mesmo tempo áspera e adorável, sempre arrebatadora, e ao não conseguir balancear isso, o roteiro deixa meio frouxo um pilar fundamental do enredo.
A personagem de Daisy está ali também como se fosse o ponto de medição do tratamento que a obra dá para as personagens femininas. O livro de Reid foi escrito em uma época que, ainda bem, e finalmente, começamos a querer cada vez mais representações de mulheres que correspondem à realidade, com suas vozes e agências próprias. Daisy Jones, a compositora, tem muito disso, quando vocaliza sem medo suas opiniões e delimita o território daquilo que (não) está disposta a ceder para chegar lá. Também sua amiga, Simone, e também, e principalmente, Camila, a personagem mais sólida nesse sentido.
A retalhada que o roteiro fez no texto do livro, porém, deixa por vezes as decisões de Daisy e de Karen Sirko (Suki Waterhouse), a tecladista dos Six, em estados nebulosos, ecoando atitudes ainda permeadas por um sistema de hábitos já “fora de moda”. Sem querer entregar muito da história, estamos falando, no fundo, de lealdade e protagonismo. Karen, por exemplo, a Christine McVie do mundo alternativo, ganha desenvolvimento somente quando sua história se cruza com a de um personagem masculino, infelizmente, e passa a maior parte do tempo que resta como costura no fundo do texto. Já Daisy, embora movida por paixões, borra a linha entre uma mulher abraçada a seus princípios e verdadeiramente leal a outras mulheres.
É uma impressão que surge principalmente na série, já que o livro vai mais fundo nas motivações das personagens, dando um contexto mais de acordo com a história. Se for possível ignorar esse descompasso entre as personagens e suas ações, a narrativa até que pode seguir bem por esse lado.
No fim das contas, a série frustra pelo seu desequilíbrio, destacando mais os dramas pessoais dos personagens do que o lado musical da história – não à toa, os cenários de casas e hotéis parecem mais atrativos que os estúdios. Ainda vale a pena, por conta do trabalho dos atores principais e do argumento – uma série agradável, mas não apaixonante. Como diz o produtor Teddy Price (Tom Wright) a respeito de uma das músicas de Billy Dunne, em um metacomentário involuntário, é “boa, não brilhante”.
Daisy Jones & The SIx tem episódios lançados semanalmente na Amazon Prime Video. Os seis primeiros, de um total de dez, já estão disponíveis para streaming.
Fabio Luiz Oliveira é historiador e crítico da Arte não praticante. Professor da rede pública do Rio de Janeiro. Escritor sem sucesso, espanta o mofo de seus textos em secandoafonte.wordpress.com