The Heavy Heavy: Quando o retrô rock vale à pena

 

 

 

 

The Heavy Heavy – Life And Life Only
42′, 11 faixas
(ATO)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Em 2022 surgiu nos serviços de streaming o EP “Life And Life Only”. Era a estreia do duo inglês The Heavy Heavy, formado por Will Turner e Georgie Fuller, um casal que entende, pensa e faz música como se fizesse parte do Fleetwood Mac em 1968. Ou do Paul Revere And The Raiders. Ou ainda, da banda de apoio de Delaney & Bonnie. Se você identificou, ao menos, um desses nomes, sabe que a sonoridade que o duo faz não é pop, mas um blues rock psicodélico que, se bem feito, pode resolver quase tudo nesta vida. O estilo foi muito popular na segunda metade dos anos 1960 e evoluiu para uma variante “big sound”, na qual o Cream foi o maior expoente. Ainda que o trio formado por Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker, tenha sido uma das maiores bandas de todos os tempos, esta malandragem blues rock de bar (ou melhor, de pub) se perdeu na megalomania. Sendo assim, o som que Heavy Heavy faz é calcado na necessidade de espaços não muito grandes, meio à surdina, ainda que tenha muito o que dizer se tocado num volume alto.

 

 

A dupla iniciou trabalhos em 2019, mas a pandemia atrapalhou os primeiros passos. Ao longo deste tempo, Georgie e Will aprimoraram a sonoridade e expandiram o espectro sonoro, reforçando as tonalidades já existentes com um pouco de mod rock inglês e outro tanto de folk rock psicodélico americano. Essas duas adições na receita, mais a depuração do que já existia, deram forma e conteúdo a “Life And Life Only”, o tal EP de estreia da dupla, lançado em meados do ano passado. Com sete músicas, o disco foi abraçado por muita gente na Velha Ilha e, logo de cara, abriu muito espaço para o duo nos Estados Unidos, o mitológico mercado “mais difícil de se conquistar”. Em pouco tempo começaram a surgir convites para shows e, atualmente, Will e Georgie estão excursionando pela terra do Tio Sam, cheios de fãs e com muito mérito por isso. Não surpreende, portanto, que os caras lancem uma versão expandida do EP, devidamente transformado em álbum, com três covers e mais uma ou outra versão acústica. Faz sentido.

 

 

O bacana na sonoridade do The Heavy Heavy é que ela opera com um objetivo: são canções que soam como se fossem um hit perdido daquele tempo, algo que fez certo sucesso, mas foi ofuscado por outras bandas e artistas. O que se ouve em termos de arranjos e produção é, digamos, naturalmente sessentista, como se os caras tivessem a manha de driblar a emulação pura e simples. É algo que lembra, em termos de atitude e resultado, o que os irmãos Robinson fazem no Black Crowes, curiosamente, uma banda americana que resgata sonoridade e postura do blues rock inglês, porém, de um ponto no tempo um pouco mais avançado: o início dos anos 1970. Se o Heavy Heavy está dois ou três anos atrás disso, saibam que tal fato faz muita diferença no resultado final.

 

 

Só assim seria possível ter, logo na abertura, uma canção como “All My Dreams”, que parece conter um misto de The Doors com Mamas And Papas, com riff de guitarra decalcado de John Mayall. O percurso segue com esta noção bem clara, levando o ouvinte a ter certeza que está em 1969/69. “Go Down River” tem ótimos vocais dobrados – mostrando o potencial de Georgie como vocalista extraordinária – e um andamento a meio caminho entre um groove perdido da Motown e uma canção do Donovan. “Man Of The Hills” junta Led Zeppelin inicial com Jefferson Airplane, enquanto “Miles And Miles” parece algo entre o country rock e o primeiro disco solo de Eric Clapton. Tem espaço para uma homenagem a “The Great Gig In The Sky”, faixa antológica do Pink Floyd, em “Sleeping On Grassy Ground”, que tem um andamento preguiçoso e arranjo perpassado por ótimos floreios de órgão e guitarra. E tem uma canção que poderia ser do The Rascals, “Why Don’t You Call”, que é uma lindeza linda. Isso sem falar nas belas covers, especialmente a de “Guinnevere”, canção antológica de Crosby, Stills And Nash, e a de “Real Love Baby”, canção de outro cultor dos sons do mesmo período, Father John Misty.

 

 

“Life And Life Only” é um belo artefato sonoro que parece emergir do Túnel do Tempo. Tem a manha dos grandes discos de hoje com cara ontem a soar original e bem feito. E tem o talento de Will e Georgie, fãs dedicados e artesãos delicados do ofício. Com esse tipo de gente no comando, não há nada errado com o rock retrô.

 

 

Ouça primeiro: “Miles And Miles”, “Man Of The Hills”, “Why Don’t You Call”, “Guinnevere”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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