Coletivo londrino se esbalda no Afrobeat

 

 

 

London Afrobeat Collective – Esengo
36′, 6 faixas
(Canopy Records)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

 

Vejam só que história bonita. Há um estilo musical chamado Rumba Congolesa. O nome acena para um remix intercontinental, entre África e América Central, dentro da lógica dos sons afro-cubanos. Os escravos congolesesa que chegaram até Cuba, uma vez lá morando e vivendo, se valiam da música e do canto como um meio de exorcizar a tristeza e a angústia imensas por conta do sequestro sistemático que sofriam. Com o tempo, a música popular cubana, riquíssima, incorporou, entre tantas referências, a herança desses músicos e cantores. Ao se popularizar, a música cubana ganhou as ondas do rádio e, em plenos anos 1930, foi ouvida no Congo, antigo Zaire, colônia belga na África. O reconhecimento das características tão semelhantes e das sonoridades específicas fez funcionar a lógica do Atlântico Negro, formulada pelo sociólogo Paul Gilroy, na qual a Diáspora Negra produz efeitos em ambos os pontos, na origem – africana – e no destino – o resto do mundo. A partir dessa visão, a cantora congolesa Juanita Euka, líder do London Afrobeat Collective, leva adiante sua música e seu talento ao redor do mundo. E “Esengo” é seu mais novo trabalho.

 

Como um traço comum aos sons africanos produzidos no mundo, a alegria e a dança se transformam em meios de expressão de emoções, sejam elas boas, ou não. São exorcismos de tristeza que têm a forma de celebração colorida de prazer e felicidade. É um mecanismo complexo, mas que existe há séculos e certamente é um dos pilares de toda uma tradição oral poderosa. O London Afrobeat Collective, formado na capital inglesa por oito músicos de várias partes do mundo, se dedica a divulgar essa noção de uma forma artística e celebratória. Não é só música, muito menos um decalque de fórmulas anteriores de afrobeat, mas uma continuidade de tradições. Se há muito de rumba congolesa, há, claro, do ritmo criado por Fela Kuti na Nigéria da virada dos anos 1960/70, o grande meio de expressão moderno dessa tradição de canto, música e dança. E, como dissemos, Juanita Euka é o diferencial que a banda ostenta, orgulhosa.

 

Baita cantora e compositora, capaz de compor e cantar em inglês, lingala e espanhol, ela brilha soberana à frente do grupo. Não que os sujeitos não sejam ótimos: Alex Farrell (guitarra-base), Alex Szyjanowicz (guitarra-solo), John Mathews (baixo), Luigi Casanova (baixo), Giuliano Osella (bateria), Richie Sweet (percussão), Klibens Michelet (saxofone barítono) and Andy Watts (trumpete) conseguem uma massaroca sonora de primeira linha, que exibe versatilidade impressionante, livrando a banda de uma eventual falta de originalidade. “Esengo”, o título, significa “prazer, alegria” no dialeto lingala, e, vertido para o inglês, soa como “Joy”. Sendo assim, a primeira canção do álbum, “Topesa Ensengo Na Motema” pode ter seu título traduzido fielmente como “levando alegria para o mundo”, dentro da lógica que explicamos mais acima. É a tradição no meio do pós-mundo, norteando e ressignificando.

 

As seis faixas do álbum descem redondíssimas. Juanita tem versatilidade vocal, soando visceral e suave, dependendo da demanda. Em “My Way”, devidamente impulsionada por uma levada totalmente funky, turbinada pelos ótimos metais da banda, ela plana absoluta dentro da melodia e dos improvisos que surgem. Em “Take Me To The Sea”, o arranjo aponta para uma realidade mais contemporânea e pop, no sentido da produção de música popular planetária, mas sem perder a identidade, que vem tanto nos metais graves quando no ritmo. O resultado é lindo e abre caminho para outro momento incandescente, “Freedom”, que mergulha fundo no funk setentista, com ótimas pontuações de baixo e débito total para a conexão Fela Kuti-Stevie Wonder. A celebratória “El Ritmo de Londres” surge ironicamente cantada em espanhol, com forte acento caribenho, enquanto o encerramento ritmado – e pop – de “De Kinshasa à Sona Bata” refaz o caminho do interior do Congo à sua capital, Kinshasa, tornando-o acessível a todos que desejem percorrê-lo.

 

“Esengo” é uma belezura. Bem feito, pertinente, colorido, relevante e que apresenta uma banda em plena forma e uma possível candidata a estrela da música mundial. Marquem o nome dela: Juanita Euka. Ela vai longe, se tudo der certo.

 

 

Ouça primeiro: “Freedom”, “Take Me To The Sea”, “De Kinshasa à Sona Bata”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *