E aí, você conhece o Black Crowes?
The Black Crowes – Happiness Bastards
38′, 10 faixas
(Silver Arrow)
Quando surgiram em 1990, os Black Crowes foram rotulados como uma “banda antiga”, ainda que fosse novíssima. O motivo: em pleno boom do rock alternativo de guitarras, do nascedouro grunge, da vigência do hair rock e do megapop de estádios, o grupo da Geórgia agia, gravava e pensava como se estivesse em 1973/74. Seus modelos eram os Rolling Stones e os Faces, duas das mais celebradas e importantes formações de rock’n’blues de todos os tempos. De fato, a sonoridade de “Shake Your Money Maker”, primeiro dos Crowes, era puro rock clássico, um deleite que, mesmo que acenasse para outro tempo, não soava nostálgico, visto que a banda tinha uma atitude inegavelmente atual. Corta para 2024. Já são 34 anos deste momento e quinze desde que os Crowes lançaram um álbum de inéditas. É tempo demais para alguém que gosta de andar no túnel do tempo. Bem, talvez seja exatamente esse o motivo pelo qual álbuns de inéditas do Black Crowes sejam eventos raros e preciosos. Seguindo a tradição da carreira do grupo, este “Happiness Bastards” é mais uma cacetada sonora dos Robinson.
Se havia essa “inadequação” temporal no lançamento do primeiro disco, há uma nova, digamos, inquietação presente. Como fazer o rockão de estádio dos Crowes soar atrativo para a geração Z, aquela que, há alguns dias, em sua versão brasileira, não sabia quem era o Slash? A resposta é simples: não dando a mínima. Aliás, se há algo que os Crowes sempre fizeram foi gravar o que lhes dava na telha, sempre se mantendo fiéis ao modelo inspiracional que apresentaram logo de cara. Não é diferente em “Happiness Bastards”, um inegável e superlativo disco de rock. É verdade que a sonoridade dos Corvos mudou sutilmente de um trabalho para outro – mais clássica nos dois primeiros discos, mais cadenciada no terceiro, “Amorica”, mais psicodélica e folky no seguinte, “Three Snakes And One Charm”, e por aí vai. Mas o modelo permanece. Guardadas as proporções – e isso certamente faria os Robinsons sorrirem de orelha a orelha – os Crowes são como os Rolling Stones. Têm uma marca sonora a zelar e conseguem fazer isso sem a pecha da nostalgia. É um pacto, uma cumplicidade entre banda e público.
Sendo assim, qual é a “mudança” em “Happiness Bastards”? Em tempos de quinze segundos no TikTok, o que poderiam os velhuscos irmãos Robinson oferecer ao público? A imensa parcela dos ouvintes do disco certamente estarão em busca do conforto de ouvir exatamente o que sempre ouviram. Serão totalmente atendidos: temos riffs matadores, grooves certeiros, performances vocais de Chris Robinson na melhor tradição de seus musos Rod Stewart e Mick Jagger, além de uma safra especialmente boa de canções, que foram compostas na estrada, em meio às últimas excursões da banda, quando celebrou os trinta anos de “Shake Your Money Maker” (1990) e “Southern Harmony And Musical Companion” (1992). Com um grupo novo de músicos de estúdio – Nico Bereciartua (guitarra), Brian Griffin (bateria), além de backing vocals – mas mantendo o baixista veterano Sven Pipien e contando com a presença do produtor Jay Joyce nos teclados, a banda poucas vezes soou tão urgente como agora.
E, para o fã mais atento do grupo, há surpresas interessantes. Por exemplo, o ritmo em alta velocidade de “Flesh Wound”, com um toque meio country eletrificado, pode soar, digamos, novidadeiro. Assim como, na outra mão, o blues rural de “Bleed It Dry”, acena para um olhar profundo em direção às raízes e às identidades mais primordias da banda. A presença da cantora country Lainey Wilson é outra novidade, visto que ela é, em todos os tempos, a primeira convidada num álbumd os Crowes a participar de uma gravação de canção inédita. E o resultado é a bela e intensa “Wilted Rose”. Apesar disso, é em canções como a stoneana “Bedside Manners”, na pesadaça, porém grooveada, “Rats And Clowns” e, sobretudo, na explosiva “Cross Your Fingers” (que lembra até um pouco de Led Zeppelin), que os Crowes mostram quem são e do que são feitos. E quando as gaitas harmônicas de “Kindred Friend” surgem no fim do disco, quem não está arrebatado/a, certamente precisa saber em que ano está. Ou não.
“Happiness Bastards” é intenso, belo e forte. É um baita atestado de vida e longevidade, se os Black Crowes ligassem pra esse tipo de coisa. Eles seguem sendo, existindo e, por conta disso, encantando. Uma maravilha.
Ouça primeiro: “Rats And Clowns”, “Kindred Friend”, “Bedside Manners”, “Flesh Wound”.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.