Beck – Hyperspace
Gênero: Rock alternativo
Faixas: 11
Duração: 39 min
Produção: Beck e Pharrel Williams
Gravadora: Capitol
Há dois anos, Beck lançou um disco sensacional chamado “Colors”. Era quase um pequeno manual sobre como fazer pop perfeito na pós-modernidade. Não parecia ter qualquer conceito, “apenas” um punhado de canções ótimas, dançantes, bem compostas e arranjadas. Agora, com ‘Hyperspace”, o sujeito volta à carga, ainda no terreno do pop mas com um pouco mais de cuidado e desejo por uma união conceitual estética. Parece que Beck quis voltar aos anos 1980, mas, bem, uma variante existencial daquela década, em que sintetizadores, vapores, letreiros em neon e um monte de signos pop existem em intensidades diferentes. E o resultado é bem legal.
Para a produção, Beck convidou Pharrel Williams, um cara com talento de sobra pra criar universos, sendo ele mesmo responsável por uma nova versão de música negra-pop para as massas, talvez o melhor que se obtém nesta área desde – guardadas as proporções – Quincy Jones produzindo Michael Jackson. Só que Pharrel não transformou as canções de Beck em colossos pop para as pistas, pelo contrário. Sua presença – em comunhão com a estrela principal – deu profundidade, perspectiva e estilo para as criações. Sendo assim, “Hyperspace” é uma viagem na Supermáquina, mas sem David Hasselhoff no volante, algo que tem a ver com realidade alternativa. É como um disco dos franceses do Phoenix, só que melhor.
“Uneventful Days”, a segunda faixa, logo após à vinheta de introdução, “Hyperlife”, é uma canções eletroacústica, com vocais sobrepostos, violões, tics e tacs de percussão moderníssima. É o passado encontrando o presente para produzir o futuro. Esta sensação se amplia em “Saw Lightning”, que lembra algo que poderia estar em “Odelay”, mítico disco de Beck em 1996, que definiu padrões para o pop experimental. Tem violão caipira em looping, letra em ritmo de rap, efeitos estroboscópicos, vocais sampleados, tudo no meio de uma massaroca sonora. É Beck olhando pra si mesmo na distância. Este padrão de pop com detalhes é o que se estabelece nas faixas, ampliando-se de acordo com a paisagem que vai surgindo.
“Die Waiting” é mais singela e reflexiva, com batidas eletrônicas que impulsionam vocais harmoniosos, assim como “Chemical”, que tem teclados em timbre de balada oitentista clássica, que se espalham pelo arranjo surpreendente. Com outra roupagem, poderia ser uma lentinha do Foreigner, lá de 1985, enquanto “See Throgh” talvez seja a mais moderninha do álbum, totalmente no esquema vaporwave, tecladeira e cheia de efeitos esvoaçantes no arranjo. Aliás, esse clima aéreo se insinua como ventos no deserto do Mojave à noite, por onde passa Beck a bordo de sua Supermáquina imaginária. É assim também com a faixa-título e “Stratosphere”, essa última ainda mais climática e árida. Fechando os trabalhos, uma trinca de belas faixas: “Dark Places”, parecendo inspirada em algumas criações do Alan Parsons Project; “Star”, que segue o mesmo esquema, mas exala um tom de improviso e modernidade capazes de quebrar a impressão de familiaridade. “Everlasting Nothing”, o mais próximo que Beck chega do épico neste disco, fecha o ciclo de onze faixas com propriedade.
“Hyperspace” é um belo trabalho, com influências sutis e muito bem transformadas em sonoridades próprias, personalíssimas e dotadas de vida própria. Beck mostra ser um dos artistas com maior fôlego criativo da atualidade e se renova para mais um ciclo de belezuras sonoras. Ouça.
Ouça primeiro: “Uneventful Days”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.