Leonard Cohen – Thanks For The Dance

 

 

Gênero: Folk
Faixas: 09
Duração: 29 min
Produção: Adam Cohen
Gravadora: Sony

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

Leonard Cohen “morreu” em 2016. Deixou um disco, que fora gravado em seus últimos dias, chamado “You Want It Darker”. Deste mesmo processo criativo, quase ininterrupto nos últimos anos, Cohen deixou textos e apontamentos, os quais ele registrou em voz. Agora, três anos depois, seu filho, Adam, que produziu seus últimos trabalhos, lança este derradeiro álbum, “Thanks For The Dance”. São nove faixas, 29 minutos e a eternidade diante dos nossos olhos.

 

Cohen, sabemos bem, tinha 82 anos quando partiu. E quando fez este derradeiro movimento, vivia como se jogasse xadrez com a inevitabilidade da morte. Registros apontam que ele sabia exatamente o que aconteceria e, fiel à sua história, se sentia forte o bastante para encarar a situação com galhardia e brilho. Deste posicionamento surgiram letras e poemas que fazem total sentido em sua obra. De certa forma, Leonard Cohen foi a personificação do século 20, atravessando e sendo atravessado; testemunhando e agindo mudanças. Traduzindo-as, na medida do possível, em canção e escritos. Cohen é o espectador/ator de “The Future”, sua canção de 1992, que enumera os absurdos mortais do porvir – que já chegara – bem como o amante de “So Long, Marianne”. Também é o “ladies’ man”, do disco que teve Phil Spector na produção. Ele é muitos. Ele é terrível e inapelavelmente humano. E, como tal, transcende a carne e o osso em sua arte, fato que este álbum confirma.

 

É a mesma voz cavernosa, que parece a voz do Tempo. As nove faixas contam com participações de Beck, Jennifer Warnes, Daniel Lanois e o violonista espanhol, Javier Mas. O tom é de contemplação do inevitável, mas, de alguma forma, nos dá a certeza de que Cohen fez parte disso, que, sabe-se lá, seu consentimento foi a pedra fundamental de sua partida. Talvez, se ele não capitulasse, nem o inevitável teria lugar e ele, de alguma forma, ficaria presente para sempre. Talvez, e isto nem a morte pode evitar, ele tenha arquitetado um legado permanente de canções e registros, sabendo que, através dele, pode (ria) viver para sempre.

 

Sendo assim, “Thanks For The Dance” é seu último suspiro por aqui. Digo, o último no ciclo convencional das temporalidades, porque, assim como tudo, tem potencial para viver pra sempre. Canções como “The Night Of Santiago”, na qual Cohen fala da beleza do corpo feminino ou “Puppets”, na qual critica as manipulações e a falta de sentido no movimento das pessoas, mostram o quanto o espírito crítico do homem se expandiu para um nível raramente testemunhado em canções e obras que fossem capazes de tradução exata. E há tempo para testemunhar o silêncio e as pequenas coisas, em “Listen To The Hummingbird”, com verso cortante: “Listen to the hummingbird, whose wings you cannot see. Listen to hummingbird, don’t listen to me”.

 

Este disco não pode ser avaliado pelos critérios normais. Ele é um presente de despedida de Leonard Cohen, tornado possível por seu filho. Não há dinheiro, números, parâmetros convencionais para medi-lo. Ele é algo diferente e terrivelmente afrontoso para os tempos atuais, em que tudo é lucro. Cohen sabia disso e, gigantesco que foi, aprontou esta última peça nas urgências do cotidiano: são 29 minutos que valem mais que vários dias, meses, anos. Emocionante.

 

Ouça primeiro: “Listen To The Hummingbird”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *